sexta-feira, 9 de maio de 2014

Sistema educacional e falência moral

Coisas deste tipo (como deste) têm vindo a reproduzir-se como uma praga infestante cujo único antídoto - o garrote financeiro - não descortino coragem para fazer accionar. Um dos produtos resultantes é um certo tipo de jornalismo (?), de que o extraordinário Público é um expoente, como novamente se evidenciou na edição de hoje em mais uma extraordinária peça. Salvaguardadas algumas proporções (embora sem exagerar), foi a leitura de uma "experiência educativa" no New York Times Magazine que levou Thomas Sowell a escrever o artigo que me propus traduzir. É a minha forma - oblíqua, é certo - de me afastar do unanimismo, explícito e implícito, à "obra" de Veiga Simão e seus seguidores. 
7 de Maio de 2014
Por Thomas Sowell
Falência Moral

Caso se pretenda ficar com uma ideia da falência moral do nosso sistema educacional, é ler um artigo da edição de 4 de Maio da New York Times Magazine, intitulado "A História de Duas Escolas".

Thomas Sowell
O artigo não endereça o tema da falência moral. Mas é ele próprio um exemplo da falência moral que está por trás dos muitos falhanços da educação na América de hoje.

Alguém teve a brilhante ideia de pôr em contacto crianças de uma escola secundária pública de uma zona habitacional de pessoas de baixo rendimento no Bronx com crianças de uma escola secundária privada cujo custo de frequência ascende a 43 mil dólares anuais.

Quando os jovens de origem social modesta visitaram a escola privada chique "ficaram simplesmente esmagados”, de acordo com o New York Times. Uma criança correu pelo campus fora a chorar. Aparentemente, as outras sentiram-se “profundamente desencorajadas com as suas próprias circunstâncias".

Que tipo de bem terreno obtiveram estes jovens com esta experiência? Felizmente que ninguém se mostrou suficientemente insensível para me levar a uma excursão a uma escola particular chique durante o tempo em que eu crescia no bairro de Harlem.

Não há dúvida que os adultos que acreditam na inveja e no ressentimento retiram prazer em fazer coisas deste tipo e em sentir que estão a criar futuros eleitores invejosos e ressentidos para prosseguir a agenda ideológica do estado gordo.

Mas à custa das crianças?

Houve um tempo em que o bom senso e a decência tinham significado. Os educadores sentiam a responsabilidade de dotar os alunos com conhecimentos sólidos que os poderiam levar até onde pretendessem mais tarde na sua vida - possibilitando-lhes que pudessem vir a ser médicos, engenheiros ou outra profissão qualquer.

Hoje, há demasiados "educadores" que vêem os alunos como um público cativo sujeito à manipulação e à propaganda.

Estes jovens ainda não têm experiência suficiente para saber que os ambientes chiques não são nem necessários nem suficientes para assegurar uma boa educação. Haverá alguém suficientemente tolo para pensar que fazer com que as crianças pobres se sintam desencorajadas corresponde a fazer-lhes um favor?

Esta visita escolar não foi apenas um evento isolado. Fazia parte de todo um programa que visava pôr em contacto indivíduos jovens de um bairro pobre com jovens de famílias que podem pagar 43 mil dólares por ano pela sua escolaridade.

O que fazem estas crianças? Contam uns aos outros histórias baseadas em juízos não amadurecidos próprios de vidas jovens. Eles vão juntos para um grande parque no Bronx e participam num projecto de um jardim. Falam sobre questões como a violência armada e as relações raciais.

Eles têm uma vida inteira pela sua frente para falar sobre tais questões. Mas as crianças pobres, em especial, têm apenas uma oportunidade, durante os seus anos de escola, para equipar as suas mentes com a matemática, a ciência e outros conhecimentos sólidos que lhes darão uma oportunidade de uma vida melhor.

Que desperdicem o seu tempo em sessões de rap e a contemplar o umbigo é algo de inadmissível.

Este é apenas um dos muitos programas idealizados por "educadores" que parecem determinados a fazer qualquer coisa excepto educar. Eles vêem as crianças da escola como cobaias para os seus projectos de estimação.

O New York Times não está a fazer nenhum favor a estes jovens ao publicar página após página com as suas fotografias e fragmentos de coisas que disseram. Há mais de dois séculos atrás, Edmund Burke lamentou "tudo o que retira um homem de sua casa e o coloca num palco".

Colocar adolescentes num palco é ainda mais imprudente, numa altura da vida em que ainda não têm a experiência para se aperceberem da inconsequente distracção que tais actividades e publicidade constituem.

Numa altura em que os jovens norte-americanos são consistentemente ultrapassados nos testes internacionais pelos jovens de outros países, podemos dar-nos ao luxo de desperdiçar o tempo dos nossos filhos em coisas que não lhes servirão absolutamente para nada nos anos vindouros? Serão as crianças meros brinquedos para os adultos?

Os miúdos ricos talvez possam dar-se ao luxo de desperdiçar o seu tempo desta maneira, porque alguém cuidará deles, de uma forma ou de outra, mais tarde na sua vida.

Mas desperdiçar o tempo das crianças pobres, para quem a educação é muitas vezes a única esperança para escapar da pobreza, é verdadeiramente uma auto-indulgência irresponsável por adultos que tinham obrigação de não a cometer, e é mais um sinal da falência moral de demasiadas pessoas nas nossas escolas.

9 comentários:

floribundus disse...

um economista alemão, criança durante a II GM dizia que não ficou traumatizado por não ter bens essencias nessa ocasião

a minha Amiga austríaca também não

conheci o fascista ximãojinho que depois de 25.iv se abrigou no largo dos ratos vorazes

era 'filho do Maputo'

Diogo disse...

Meu caro Eduardo Freitas,

Não vejo onde esteja a «falência moral» desta experiência. Mostrou, simplesmente, a jovens a desigualdade brutal de um sistema político podre e imoral.

É possível que você deseje um sistema onde a classe baixa se vá conformando lentamente com o passar dos anos, e que paulatinamente compreenda de que «as coisas sempre foram assim, são assim e vão ser sempre assim».

Mas, caro Eduardo, já não vivemos no Egipto – com faraós, sacerdotes, escribas e escravos. Estamos no século XXI. Hoje, uma sociedade, digna desse nome, não pode pactuar com tais desigualdades.

Eduardo Freitas disse...

Caro Diogo,

Se a eloquência de Sowell, também fundada nas circunstâncias da sua própria experiência e percurso de vida, não é suficiente para o persuadir si da justeza em apelidar de "falência moral" a "experiência" a que ele alude no artigo, temo nada conseguir acrescentar.

Saudações

luis barreiro disse...

Como é possível em pleno século xxi, existir pessoas com pensamentos ainda do século xix como o diogo.

Eu até entendo a boa intenção do diogo em relação ás teorias por ele defendidas, mas a realidade em toda a parte e em todos os momentos tem mostrado qual a prática é mais eficaz para acabar com a pobreza.

A formatação é tanta, que nem com a reafirmação na resposta dada pelo caro Eduardo Freitas, ele conseguirá atingir.

E secundo com o meu exemplo de quem nasceu pobre (os meus pais vendiam peixe porta á porta), e numa época de poucos impostos conseguiram subir vários estratos na sociedade.

Hoje em dia algo impossível (ou pelo menos por enquanto quase impossível), apenas ao alcance de jotas, aventais ou outros que tais.

LV disse...

Para além do que Sowell expõe relativamente à falência moral do sistema educativo (tão universal quanto a que podemos identificar como resultado da ideologia económica dos últimos cem anos, pelo menos), importa sublinhar a extensão dessa falência na acção dos meios de comunicação convencionais. Na forma como esses meios, em vez de fomentarem massa crítica, reproduzem uma mundividência no pior sentido da linha de montagem. Há uma imoralidade contínua, portanto, entre estes diferentes actores.
É perturbador que a experiência relatada por Sowell não seja analisada criticamente pelos agentes encarregados da sua reprodução (e aqui não poderiam escusar-se também os professores). É trágico que se submetam os jovens a esta peça ideológica (aqui pouco importa se ricos ou pobres), na qual se consagra uma subversão de valores que terá consequências para o resto das suas vidas. E que esta subversão não seja denunciada, mas propagada como modelo de educação, é notável. Na melhor tradição dos esforços de reeducação política.

Uma observação relativa à intervenção do nosso leitor Diogo. A falência moral expressa por Sowell (e que eu identifico como mais extensa) está na subversão valorativa que a “história de duas escolas” encerra.
Numa sociedade livre – sublinho, livre – as diferenças (todas elas, excepto a igualdade no diz respeito à dignidade moral) são justas. Quando as diferenças são exploradas como injustas, então, logo se pavimentam os caminhos para a igualdade artificializada. A que se constrói com campos de trabalho e experiências de reeducação.
Se compreendermos que a vida do próprio Sowell é exemplo de que, apesar das diferenças, os estímulos de uma sociedade livre (de que os EUA ou a Europa parecem ser apenas uma pálida imagem) são para que cada um melhore as circunstâncias em que se encontra, independentemente do ponto em que parte. Entender de outro modo o exemplo das “história de duas escolas”, é aceitar que é possível forçar uma igualdade absoluta sem mácula moral. E, forçando-a, esperar esperar prosperar como indivíduo racional e livre.

LV

JS disse...

Por um lado a família biológica, a(s) escola(s), a sociedade aonde se vive.
Por outro ... a alma (que convém não seja pequena, disse o poeta).
Qual de este dois elementos é predominante?.
...
Há irmãos, mesmos pais biológicos, família, mesmas escolas e meio social, com exercícios de vida ... díspares.
...
Será a Escola um elemento tão exclusivamente importante na formação do indivíduo, e do seu provir?.
Todos os alunos das referida escola ficaram "traumatizados", pela visita, da mesma forma?.
A mesma vivência afectou, da mesma forma, negativa ou positiva, todos os envolvidos?.
...
Mas na verdade, infelizmente:
"... Eles vêem as crianças da escola como cobaias para os seus projectos de estimação...."
Não serão eles mesmos já o triste fruto, aberrante, do sistema, ad eternum?.
Saudações.

LV disse...

JS,

Efectivamente, a biologia parece apontar para diferenças importantes entre irmãos. A experiência de cada um pode - acredito - corroborar esta hipótese. Ou seja, a família (seja do ponto de vista biológico/genético, seja do ponto de vista da educação) terá impacto relevante, ainda que possa traduzir-se diferentemente em cada indivíduo.

Importa não descurar a importância da Escola-instituição. De há muito que o seu papel é determinante em orientar e preservar aprendizagens, conhecimentos e valores. No entanto, o seu público-alvo só tem aumentado (assim, o impacto do que terá). Por outro lado, o que ela, potencialmente, transmite de conhecimentos (particulares, específicos, digamos) aumentou muito e a esse aumento tem correspondido um currículo de valores cada vez mais unívoco.
É aqui que reside o perigo. Nesta contracção da experiência valorativa aliada a uma ausência de participação crítica por parte dos seus diversos agentes (pais, professores, cidadãos em geral) que não pressente a tentação totalitária que a "história das duas escolas" representa. Juntamos uma comunicação social convencional que "dá a voz a seu dono" e, então, a peça desvela o seu sentido.
Que não o reconheçamos é grave.
Porque será?
Saudações,
LV

Eduardo Freitas disse...

Caro JS,

Em Janeiro passado, publiquei no Espectador Interessado um post sob o título Da recusa de uma teleologia do homem arquitectada por ateus activistas que querem fazer de Deus. Permita-me que cite um excerto do artigo de Greg Lentz nele contido da autoria:

«O Departamento da Educação foi criado durante a presidência de Jimmy Carter. A sua finalidade era a de administrar e distribuir fundos às escolas públicas e iniciar a recolha de dados sobre os alunos para efeitos de investigação académica. Desde que ele assinou a lei, gastámos 2.300.000.000.000 dólares do orçamento federal com a educação.

Tenha-se em mente que, antes da criação do Departamento da Educação, estávamos em primeiro lugar no ranking mundial.

Agora, estamos em 29º. Quem sabe se, através da recolha de mais dados para investigação poderíamos fazer com que todos alcançassem o nível de literacia de Detroit: 48%?».

Por cá, e parafraseando Adelino Maltês, as manias estatistas e socialistas do veiga-simonismo («ensine-se, com o leite, economia às crianças») e do roberto-carneirismo (e d@s mestres de Boston) continuam incólumes.

Saudações

JS disse...

Mt. obrigado, aos dois.