sábado, 5 de março de 2011

Geração (auto?)ludibriada

Na sequência dos posts Às Deolindas e Deolindos do meu país e Às Deolindas e Deolindos do meu país (2)

Margarida Carvalho tem 27 anos, tem por formação base a biotecnologia e está a iniciar o doutoramento. Margarida é uma dos doze jovens com que o Expresso conversou acerca dos motivos que os levam a participar na manifestação, no dia 12 de Março, em Lisboa, sob o manifesto da geração enrascada. São suas as seguintes palavras que transcrevi do Expresso:
«Para o Governo, os bolseiros não passam de eternos estudantes. Sei do que falo. Como técnica em biologia molecular tive uma bolsa durante dois anos. Recebia 745 euros, brutos, e sem direito a 13º e a 14º mês. Assim que a bolsa termina sentimo-nos desamparados, sem direito a qualquer protecção social. Não há subsídio de desemprego. Iniciarei o doutoramento em Abril e terei quatro anos de financiamento assegurado. Mas tenho a noção de que por enquanto terei de viver em casa dos pais. É triste que o nosso país não reconheça um bolseiro como sendo um trabalhador comum. Sinto que algumas pessoas olham para nós com preconceito. Lutarei para que tenhamos direito a um contrato. Fazer investigação científica é produzir trabalho.»
Escolhi, entre doze casos, o da Margarida por me parecer ser aquele que oferece um mais completo retrato de um imenso conjunto de equívocos, mistificações, quando não de puras aldrabices.

Não, Margarida. A atribuição de uma bolsa para investigação por uma instituição estatal não faz do bolseiro um empregado mas sim um subsidiado. Não é assim de admirar que o seu país (ou outro qualquer) não a reconheça como trabalhadora comum, não haja 13º e 14º meses nem tenha direito ao subsídio de desemprego. Como a própria Margarida acaba por reconhecer, a bolsa funciona como um financiamento ao seu titular que lhe permita dirigir o seu esforço e dedicação exclusivamente para a aquisição e desenvolvimento de conhecimento que possa proporcionar ao bolseiro uma melhor oportunidade futura no mercado de trabalho. Lamento, Margarida, mas não tem direito a um contrato [de trabalho].

A Margarida fará parte, provavelmente, dos ludibriados por aqueles - especialmente pelos Governos - que propalaram, anos e anos a fio, que mais qualificações académicas significavam automaticamente mais e melhores empregos o que é -sempre foi - uma rematada mentira. Depois, a Margarida acha que tem o direito a ter um emprego mesmo enquanto bolseira. Ora não existe isso de ter direito a um emprego. Existe sim, ou deveria existir, o direito a dispormos da nossa livre escolha para tomarmos as nossas opções em função das expectativas reais que o mercado de emprego proporciona.

São muitos e não são de agora os sinais, para dar uns exemplos, do excesso de licenciados em Relações Internacionais, História, Psicologia ou Jornalismo e a falta de engenheiros electrotécnicos e aeroespaciais e dos correspondentes salários esperados, sendo que estes últimos são função dos primeiros.

Como o Estado já não pode, pela sua iminente bancarrota,  absorver mais mão-de-obra, só restam as empresas que temos e aquelas que conseguirmos atrair do estrangeiro e, sobretudo, das que conseguirmos vir a criar por recursos internos. Não por dever social, não através de subsídios estatais a esmo, não pelo voluntarismo bacoco de governos com equipas de "marketing de luxo". Sim pela diminuição drástica dos encargos sobre o factor trabalho, sim, pela eliminação de dezenas de milhares de páginas de leis, decretos-lei, portarias, despachos e posturas e demais regulamentação de institutos, autoridades e agências disto e daquilo, que tudo fazem, isso sim, por criar dificuldades a quem queira correr riscos na exacta medida que a sua prioridade é justificar a sua própria existência e crescimento.

É sobre isto que deve reflectir Margarida. Sobre quem e o quê lhe está a dificultar a vida e a deixar, depois do dispêndio de milhões, dezenas de milhar de licenciados e mestres e, já hoje, muitas centenas de doutorados. Infelizmente não creio que a maioria dos portugueses o tenha compreendido ou o vá compreender nos próximos anos. Provavelmente será necessário primeiro que o desastre assuma proporções épicas. Entretanto, Margarida, disponha da sua liberdade e, em última instância, emigre.

2 comentários:

Karocha disse...

Pois Eduardo F

O meu rapaz, trabalhou para tirar o curso e, continua a trabalhar!
E não vive com os pais,tem a sua casa, com as inerentes responsabilidades.

Eduardo Freitas disse...

Cara Karocha,

Sim, é isso mesmo. A sorte também se conquista.