quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Um mundo louco, louco, louco

Detlev Sclichter, uma referência frequente neste blogue quando se fala de matérias monetárias, em "It’s a mad mad mad mad world", num registo entre o irónico e o sarcástico, explica por que razão se vive hoje, em sua opinião, sob um regime monetário sujeito a um planeamento central só próprio de uma república soviética. Que uma mera mudança de protagonistas (novo primeiro-ministro no Japão e um novo governador do Banco de Inglaterra), sem qualquer alteração de políticas - na realidade, reiterando-as adoptando doses crescentes - não permitem esperar resultado diferente daquele que vem sido obtido (apesar do mais recente modismo - o da "meta para o PIB nominal"). Um mundo louco, de facto, que iremos pagar em língua de pau. A tradução que se segue, algo livre, é da minha responsabilidade).
Shinzo Abe, o novo primeiro-ministro do Japão, tem algumas novas e excitantes ideias sobre como voltar a pôr a economia do Japão a crescer. E se o governo pedir emprestado muito dinheiro para gastar na construção de pontes e estradas por todo o país?

Se isto não soa a algo de muito novo é porque não o é. Tem sido o que o Japão vem fazendo há 20 anos, e é a principal razão pela qual o Japão é hoje a nação mais endividada do planeta - e ainda assim não está crescendo muito. A proporção da sua dívida [pública] em relação ao PIB ascende a uns lacrimejantes 230 por cento, um recorde mundial, o que já assegura que os futuros pensionistas (e o Japão tem um grande número deles) nunca serão reembolsados, com algo de real valor, dos títulos de dívida pública que, pacientemente, acumularam nos seus fundos de pensões, e que, de forma optimista, continuam a designar por "activos".

Mas não importa. Os keynesianos concordam que essa política foi um sucesso estrondoso, razão pela qual o país necessita de nova dose da mesma, uma vez que, estranhamente, o Japão ainda não recuperou o crescimento auto-sustentado após duas décadas a prossegui-la. Hum... Bem, em todo caso, seguramente que o próximo conjunto de estradas e pontes irá fazer toda a diferença. Sugiro que devamos designar isto por "doutrina Krugman", em homenagem ao extraordinário pensador keynesiano Paul Krugman: mesmo se uns quantos trillions de nova dívida pública e de uns quantos trillions de moeda de papel recém-impressa não revitalizaram a economia, o próximo trillion de despesa pública de orçamentos e governos deficitários e o próximo trillion de nova moeda vinda do banco central irão, finalmente, pôr a economia a mexer. "Basta manter o pé no acelerador até que a economia cresça, gaita!"

O Sr. Abe também planeia forçar o Banco do Japão a imprimir mais moeda, e isso irá ser também, sem dúvida alguma, um sucesso tremendo. A maioria dos economistas de persuasão keynesiana ou monetarista, ou seja, a grande maioria dos economistas, concorda que o Banco do Japão, na realidade, não fez tudo o que estava ao seu alcance. Ao contrário, por exemplo, do Banco de Inglaterra. O Banco de Inglaterra mais do que quadruplicou o seu balanço desde o início da crise representando hoje quase um terço do PIB do Reino Unido. Ao longo do processo, o Banco da Inglaterra também monetizou um terço da dívida pública do país. O Banco da Inglaterra merece realmente ser chamado de rainha do "alívio quantitativo" [QE-Quantitative Easing]!

Presentemente, o balanço do Banco do Japão representa já mais de um terço do PIB, mas a maior parte é um legado dos seus programas anteriores de "alívio quantitativo" que - pensando bem no assunto - também não conduziram ao crescimento auto-sustentado, mas não nos deixemos distrair. Em qualquer caso, desde 2008, o seu balanço apenas cresceu uns escassos 40%. Patético.



Tais diferenças de activismo monetário produziram o seu efeito: no início de 2012, e medido em "termos reais", a economia japonesa era cerca de 3 por cento menor do que no início de 2008, enquanto a economia do Reino Unido era, bem, também cerca de 3% menor em termos "reais" do que no início de 2008. E acaso se pensasse que 2012 fez toda a diferença, tal não aconteceu: ambos os países reentraram em ligeiras recessões técnicas no decurso de 2012.

Mas, em qualquer caso, o veredicto geralmente aceite pelos comentaristas internacionais dos economistas de profissão, predominantemente keynesianos e favoráveis à intervenção estatal, é que o Banco da Inglaterra fez um trabalho melhor que o Banco do Japão. Por quê? O Japão sofre de uma "deflação incapacitante", e o Reino Unido, graças à excelência da política monetária do Banco de Inglaterra, não. Os benefícios são evidentes:

Quando o Sr. e a Sra. Watanabe fizeram as suas compras no supermercado em 2012, na sua economia três por cento menor, pagaram cerca de dois por cento menos, em média, do que tinham pago no início de 2008 para os mesmos produtos. No Reino Unido, no entanto, quando o Sr. e a Sra. Smith fizeram as suas compras de supermercado em 2012, na sua economia igualmente 3% menor, pagaram 15 por cento mais pelos mesmos bens que no início de 2008.

De que modo isso representa um benefício para o Sr. e para a Sra. Smith é algo que eu não consigo entender, mas eu acho que esses jornalistas e comentaristas económicos devem saber alguma coisa que nós não sabemos, já que todos eles concordam que é esta "deflação incapacitante"- de nem sequer 1% por cento ao ano! - que realmente está a impedir o Japão [de regressar ao crescimento económico]. Bem, mas então porque é que toda esta inflação no Reino Unido não impulsiona a economia?

Os planificadores centrais estão agora considerando um plano ainda melhor: fazer com que o banco central imprima ainda mais moeda! Evidentemente, o problema com o plano anterior era apenas este: não era suficientemente ambicioso. O Sr. Abe irá atribuir ao Banco do Japão uma nova meta de inflação de 2 por cento. A meta anterior era de 1 por cento de inflação, que o Banco do Japão não conseguiu atingir. Mas o Sr. Abe vai ajudar o Banco do Japão a alcançar o seu novo objectivo incentivando-o a imprimir moeda sem limites, uma política que é actualmente a última moda entre os planificadores monetários centrais de todo o mundo, e constituirá certamente um grande sucesso que levará à criação de muitos novos empregos, duradouros e bem remunerados, e a um crescimento económico fantástico e a inovações maravilhosas. Os burocratas do mais fino recorte dos bancos centrais já o endossaram: Bernanke chama-lhe "flexibilização quantitativa em aberto", o Sr. Draghi designa-lhe "de compra ilimitada de títulos". Uma tal política incute muita confiança. Esta é ainda mais uma prova da criatividade política do Sr. Abe.

Mas até mesmo o Banco da Inglaterra pode certamente fazer melhor. No Reino Unido, a discussão centra-se sobre a questão de saber se o Banco da Inglaterra deve adoptar "metas para o PIB nominal". A ideia por trás dessas considerações é que o objectivo corrente do banco central de manter a inflação estável, em torno de 2 por cento, pode ter indevidamente contido os seus esforços de impressão de moeda. Como assim? Bem, sempre que a inflação estava acima de 3%, ou seja, 1% acima da meta, por mais de três meses - e apesar da estagnação económica, a inflação foi muito elevada por longos períodos de tempo ao longo dos últimos quatro anos - o governador do Banco, Mervin King, tinha que escrever cartas explicativas e apologéticas ao Chanceler do Tesouro, George Osborne. É certo que a escrita de cartas bajuladoras, que são lidas em público e difundidas por todo o país, pode ser bastante constrangedora mesmo para o leitor ou para mim próprio, mas Mervin King é um funcionário público muito condecorado e um Cavaleiro da Grã-Cruz da Ordem Mais Excelente do Império Britânico. Para alguém como ele, a redacção daquelas cartas deve ter sido verdadeiramente embaraçosa e dolorosa, e um tal constrangimento poderia tê-lo tornado um pouco mais cauteloso em imprimir ainda mais moeda e em comprar ainda mais títulos da dívida pública. Quem sabe se, sem tais restrições em matéria de inflação - que foram violadas, de resto -, o Banco de Inglaterra poderia ter ampliado o seu balanço não apenas 4 vezes e meia mas seis ou sete vezes, para grande benefício do Sr. e da Sra. Smith.

Eis como a política de fixação de uma meta para o PIB nominal iria trabalhar em substituição da actual política. Estabeleçamos que a meta é de um PIB nominal de 5%, ou seja, a combinação de crescimento real e da inflação deve ser de 5% em cada ano. Por quê 5%? Bem, por que não? Seguramente haverá algum econometrista que pode explicar por que 5% é um bom número para o Reino Unido. Pensemos no assunto. Mais de metade do PIB do Reino Unido é agora proveniente do sector público, não por particulares e empresas. O Reino Unido, de qualquer maneira, já está mais perto da Rússia Soviética do que do capitalismo sem restrições, pelo que é mais do que tempo que estas coisas sejam devidamente planeadas centralmente. O plano central do governo do Reino Unido estipulará que os camaradas no banco central devem fornecer 5% de crescimento nominal. Assim, se a taxa de inflação oficial for de 3,5% e a taxa de crescimento oficial real de 0% e, portanto, o PIB nominal de 3,5%, tal como aconteceu frequentemente nos anos recentes, ou se a taxa de inflação é de 4,4% e a taxa de crescimento de -0,5%, e assim o PIB nominal de 3,9%, não será necessário redigir mais cartas apologéticas pelo facto de se ter criado "demasiada inflação". Em vez disso, terá apenas que ser reconhecido que os 5% nominais do plano de crescimento do comité central ainda não foram alcançados, mas que a burocracia do banco central rapidamente corrigirá o desvio, através da impressão de ainda mais moeda. Assim, as preocupações tolas sobre a inflação não irão mais restringir o entusiasmo do Banco da Inglaterra pelo "alívio quantitativo" e por outros métodos não convencionais. Haverá menos limites à impressão ilimitada de moeda.

É claro que o balanço do Banco de Inglaterra cumpriria a sua meta de 5% do PIB nominal se tiver criado inflação de 5% sem crescimento real, e como todos sabemos, isto é precisamente o que tem sido conseguido. Mas não preocupemos excessivamente. Lembrem-se da doutrina Krugman: a próxima ronda de QE e de despesa pública e défice do orçamento irá finalmente fazer funcionar o truque e estimular a economia em definitivo. A sério. Será diferente da próxima vez!

Bem, perguntarão, como é que isso irá funcionar? De que modo uma mais agressiva impressão de moeda pode conduzir ao crescimento "real"? Sem sombra de dúvida, através de mais empréstimos. Se o crédito for muito barato mais pessoas e mais empresas - e o estado! - contrairão mais empréstimos e acumularão mais dívida. Voilà! É certo que este é o tipo de política que levou ao boom imobiliário e subsequente estoiro e ao desastre bancário de 2008, mas, em qualquer caso, os funcionários públicos, os burocratas e seus assessores keynesianos ou monetaristas simplesmente sabem que esta é a política de que precisamos hoje - apenas mais do mesmo por causa da crise. O Reino Unido é - a par do Japão, ironicamente - a sociedade mais endividada do planeta. Seguramente necessita de crédito mais barato, mais endividamento e mais dívida!

Como já referi, 23 anos após a queda do Muro de Berlim, estou convencido que o socialismo finalmente ganhou, sem sombra de dúvida na esfera da moeda onde os planificadores centrais monetários, ou seja, os banqueiros centrais, desempenham um papel cada vez maior e desfrutam de cada vez mais poder e adoração pública. No Reino Unido, o debate sobre o próximo governador do banco central do país, o canadiano, ex-banqueiro da Goldman, Mark Carney, está repleto de esperança, de antecipação e de excitação e, com a importância que confere ao papel do "burocrata estrela", é certamente [o debate] digno de uma economia planificada. Mark Carney é uma superestrela do planeamento central, assim o diz o chanceler do Tesouro, George Osborne, que parece ter-se tornado num perito do ranking internacional de banqueiros centrais, anunciou o Sr. Carney como o "melhor banqueiro central de sua geração". Anteriormente, o "melhor banqueiro central da sua geração" foi o americano Alan Greenspan cuja reputação inchou com as bolhas que ia soprando, e que viria a colapsar quando as bolhas estouraram. Nesta matéria, o Sr. Carney ainda está no início de sua carreira, tendo até agora insuflado apenas uma pequena bolha imobiliária no seu país nativo. A natureza exacta da sua missão no Reino Unido é clara: imprimir mais dinheiro, mais rapidamente do que King fez, e encontrar novas justificações, soando a inteligentes e complicadas, que expliquem por que razão se trata de uma boa política e em benefício do público em geral. Carney já começou a última parte de sua missão, instigando o debate público quanto às metas do PIB nominal.

Nenhum de nós sabe o que 2013 poderá trazer, mas eu arriscaria uma previsão: muito mais dinheiro de papel será impresso ou criado electronicamente por todo o mundo. Muito, muito, muito mais. Nada disso gerará crescimento real, verdadeira riqueza, prosperidade real, empregos reais e duradouros ou capital real.

Sabendo que vivemos num mundo verdadeiro louco, louco, louco, desejo-lhe tudo de melhor para 2013!

1 comentário:

Vivendi disse...

Esta bebedeira da dívida não vai acabar bem...