Como tinha ameaçado, regresso ao tema do papel da matemática (e em particular da estatística) em Economia como aliás, genericamente, nas diferentes ciências sociais. Em post anterior, tinha observado que mesmo numa ciência física como é a climatologia se constata, apesar da propaganda dos que continuam a teimar que "a ciência está estabelecida", existir uma crescente dissociação entre a modelação dos efeitos da crescente concentração de CO2 e a realidade tal como ela é observada e medida. Estranhamente, muitos daqueles que escolhem ignorar este facto (ocorre-me, no plano doméstico, a generalidade da redacção do Público...) são muito menos tolerantes para aquilo que designam de "erros" de previsão económica atribuíveis, presume-se, a mera incompetência técnica (ou, de quando em vez, a lapsos na respectiva folha de Excel de suporte ao "modelo"). E é aqui que se entra no domínio das intermináveis, e de resto inúteis, discussões sobre os "verdadeiros" valores dos multiplicadores. Como se estivéssemos a falar da utilização de constantes equivalentes, sei lá, àquelas próprias da física e da química. Ora a questão é exactamente essa: NÃO EXISTEM constantes em ciências sociais. Retrospectivamente, poder-se-á dizer que, no âmbito de um dado "modelo", uma constante, isto é, um dado "multiplicador", foi de "X". Mas esse é um conhecimento que só se adquire a posteriori sem que haja qualquer garantia que se repetirá no futuro. E que outra coisa poderia suceder quando o sujeito da investigação não é uma pedra ou um robot mas sim a pessoa humana?
Esta era a oportunidade que aguardava para publicar uma tradução deste interessante artigo de Christopher Westley sendo que, por coincidência, o Instituto Mises Brasil também fez publicar uma outra tradução na 3ª feira passada e de que aliás me socorri, pelo que me resta agradecer-lhe.
Em Abril deste ano, o ilustre biólogo de Harvard, E.O. Wilson, escreveu um artigo no Wall Street Journal sobre as limitações da utilização da matemática nas ciências. Natural de Mobile, Alabama - mais conhecido como o Pai da Sociobiologia - defendeu que a capacidade para formular contribuições conceptuais científicas não exige necessariamente especiais competências matemáticas ou mesmo uma componente matemática. Wilson concluiu que "afortunadamente, uma fluência matemática excepcional apenas é necessária em algumas disciplinas, como a física de partículas, a astrofísica e a teoria da informação. Para todas as outras disciplinas científicas é bem mais importante a capacidade para formular conceitos, actividade para a qual o investigador convoca imagens e processos por intuição". O próprio Wilson observou que ele próprio só aprendera cálculo depois dos seus 30 e poucos anos - após conseguir um lugar no quadro em Harvard - e lamenta a perda de conhecimento científico resultante do abandono de potenciais contribuidores [ao desenvolvimento de um dado ramo científico] quando optam por outras carreiras devido à sua deficiente formação matemática.
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Embora isto não seja um problema para os economistas da Escola Austríaca, que utilizam a lógica dedutiva apriorista<> no desenvolvimento da teoria económica e dos seus conceitos, a corrente económica dominante (o mainstream permanece acorrentada à ideia de utilizar os dados como um fim em si mesmo, de tal modo que é a sua disponibilidade [ou não disponibilidade] que, por si só, com frequência determina a extensão da investigação económica. Daqui resulta que conceitos como o de capital, que não se prestam à análise matemática, são muitas vezes ignorados pelo mainstream ou são assumidos como sendo constantes (de modo a simplificar a sua utilização nas técnicas de modelação). Esta lacuna contribui para explicar a infame incapacidade do mainstream em diagnosticar a bolha imobiliária de há uma década atrás e constitui uma das principais razões da sua ignorância relativamente aos maus investimentos resultantes da criação de moeda por via estatal.
As observações de Wilson são interessantes na medida em que a ênfase na modelação estatística na corrente económica do mainstream e noutras ciências sociais se baseia no desejo de alcançar o mesmo rigor científico das ciências naturais ["hard sciences"]. Este desejo é um resquício da Era Progressiva, porventura condensado por Irving Fisher, no seu discurso perante a American Economic Association, a que presidia, em 1919. Fisher escreveu então:
Deveria ser criado um fundo destinado à investigação económica, cuja gestão seria partilhada entre o trabalho, o capital e os economistas, e que constituiria uma espécie de laboratório para o estudo dos grandes problemas económicos que enfrentamos. Hoje, as ciências físicas têm naturalmente os seus grandes laboratórios. Do economista, porém, espera-se que assegure os seus próprios factos e estatísticas e faça os seus próprios cálculos a expensas próprias. Ora, é necessário levar a cabo investigação dispendiosa, muito para além das possibilidades da carteira do próprio professor, se se esperar do economista que preste um qualquer serviço público importante pelo estudo da distribuição da riqueza, do sistema do lucro, do problema da agitação laboral, e de muitos outros problemas práticos urgentes.Meio século depois, Milton Friedman desenvolveu esta argumentação de Fisher no seu famoso ensaio, "A Metodologia da Economia Positiva" [The Methodology of Positive Economics], enfatizando o papel da matemática e da estatística na disciplina da Economia para elevar o rigor da previsão acima de tudo o resto - até mesmo de teoria correcta. São os dados que conduzem àquilo que é testado empiricamente e, se os resultados explicarem correctamente o mundo, então estes têm que ser rigorosos do ponto de vista teórico. Para Friedman, as metodologias económicas "deverão ser avaliadas pela precisão, âmbito e conformidade com a experiência das previsões que [elas] produzem. Em resumo, a economia positiva é, ou pode ser, uma ciência objectiva, precisamente no mesmo sentido de qualquer ciência física ".
Os economistas da Escola Austríacas já haviam assistido a tudo isto antes, ao responderam ao historicismo alemão, quando identificaram neste a ausência de fundamentação teórica para poder considerar a economia como uma ciência. Na década de 1950, F.A. Hayek, no seu magistral "A Contra-Revolução da Ciência" [link], observou que, ao adoptarem os modelos matemáticos das ciências naturais, os economistas podem facilmente vir a tratar o seu objecto de estudo - a pessoa humana - do mesmo modo que os cientistas físicos examinam as partículas de matéria. Em vez de um ser vivo, dotado da capacidade de fazer escolhas, a pessoa humana é facilmente reduzida a elementos que podem ser investigados e manipulados para atingir um fim social que o estado prefira. É fácil perceber por que um arqui-progressivo como Fisher enaltecesse uma tal abordagem, mas não deixa de ser extremamente irónico que alguém com a boa fé libertária de Friedman a viesse expandir.
Embora a matemática seja uma ferramenta importante para as ciências sociais, a forma como tem vindo a ser usada entre os cientistas sociais limita o âmbito da investigação e pouco acrescentou ao nosso conhecimento teórico. Em qualquer caso, como Rothbard observou, a ênfase na matemática pode justificar a expansão do estado, proporcionando "precisão científica" [aspas acrescentadas] às políticas governamentais1. O resultado, nos dias de hoje, é uma espécie de complexo intelectual-industrial em que os governos sacam dinheiro pela força aos contribuintes e o encaminham para instituições de investigação onde indivíduos formulam modelos que proporcionam justificações "científicas" [aspas acrescentadas] a políticas que exigem - surpresa, surpresa! - que os governos saquem ainda mais dinheiro pela força aos contribuintes. Infelizmente, é um complexo que alimenta grande parte da actividade de investigação que hoje define a Yale de Fisher, a Universidade de Chicago de Friedman e a que a generalidade do ensino superior aspira pertencer.
E.O. Wilson lembra-nos que não apenas as ciências naturais sobrevalorizam a matemática a seu próprio risco, como provavelmente nunca a enfatizaram com a extensão que os cientistas sociais da Era Progressiva, como Irving Fisher, a visionaram. Entretanto, hoje, os cientistas não ligados ao governo e menos dependentes do processo de concessão de financiamentos estatais, tanto pelo seu status como pelo estilo de vida, são mais modestos nas suas abordagens e apreciam as leis naturais cujo estudo e compreensão é a sua vocação.
Tais indivíduos são também mais propensos a compreender que os riscos de fazer direccionar a ciência para as finalidades normativas de indivíduos poderosos são enormes. À medida que as economias globais vão reflectindo as reacções às intervenções "científicas" [aspas acrescentadas] nas forças de mercado, o pensamento económico do mainstream precisa de humildade e de reconhecer as limitações das abordagens matemáticas. Os seus praticantes deveriam começar por aprender com as escolas heterodoxas, como a Austríaca, que as evitaram.
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1Talvez o exemplo clássico de tamanha precisão tenha ocorrido quando a economista Christina Romer solicitamente previu que o desemprego subiria para 8.8% nos finais de 2010, se o pacote de estímulo económico de Obama não fosse aprovado em 2009. (O pacote passou e a taxa de desemprego subiu para mais de 10% e Romer é agora catedrática na Universidade da Califórnia, em Berkeley.) Mais recentemente, a "rock star" em Gestão e Administração de Empresas, a professora Zeynep Ton do MIT, defendeu (na Harvard Business Review), que as empresas como a Wal-Mart podem ser mais produtivas se adoptarem as grelhas salariais de empresas como a Costco e a Trader Joe (ignorando o papel extremamente importante do produto marginal das receitas relativamente aos salários). O seu trabalho também está a revelar-se útil para aqueles que procuram aumentar o salário mínimo, muito embora tais intervenções no passado tenham levado à expulsão dos trabalhadores não qualificados do mercado de trabalho ao aumentarem os incentivos das empresas para substituir o trabalho por um menos oneroso capital.
1 comentário:
anda por aí na rede um artigo traduzido em português (por um brasileiro) sobre os estudos do matemático Fourier na época de Napoleão e sobre o que acrescentou o químico sueco Arrhenius há 100 anos
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