Simon Black, em mais uma acutilante missiva enviada do "terreno", volta a recorrer à história para ilustrar e melhor fazer entender relevantíssimas situações da actualidade. Desta feita, a personagem histórica invocada é a de Diocleciano (244 d.C. - 311 d.C.) que, já então pela 'n-ésima' vez, prendia (e matava) os "especuladores" que, supostamente, eram os causadores da inflação e das situações de escassez, na realidade provocadas pelo estado através da contrafacção da moeda - inflação monetária - e da imposição de controlos de preços. Enfim, exactamente aquilo que um Maduro (Nicolás, de seu nome) está a levar a cabo, com denodo e afinco, num país que já teve um dos melhores níveis de vida na América Latina e que agora caminha a largos passos para a ruína.
Mas que fazer quando se repetem, uma e outra vez, as mesmas falácias de sempre? Quando, por exemplo, se publicita um Instituto do Novo Pensamento Económico, para se anunciar como "novas" as mesmíssimas doutrinas que vêm governando o mundo ocidental desde há mais de 80 anos? Quando se não aceitam os princípios mais básicos da acção humana e da lógica e, assim, e por exemplo, se rejeita a lei da procura com terríveis consequências como a de prosseguir na insanidade máxima que é o salário mínimo? Só vejo uma forma: a que Chris Rossini aqui aponta. A tradução do texto de Simon Black é de minha responsabilidade.
13 de Novembro de 2013
Singapura
Nos inícios do século IV d.C., o Império Romano estava sob uma tremenda turbulência por via da peste, das invasões bárbaras, de uma profunda recessão, de guerras civis, de golpes de estado, etc.
Em boa medida, essa situação foi provocada pela situação económica extremamente sombria por que Roma então passava.
O Governo, pura e simplesmente, não tinha dinheiro suficiente para manter as funções correntes, muito menos para pagar todos os generosos programas sociais necessários para apaziguar a população.
De modo que, como se poderia imaginar, os governantes decidiram compensar a diferença através da contrafacção da moeda.
As moedas romanas foram tão rapidamente adulteradas que acabaram por perder a credibilidade necessária a um meio de troca entre os mercadores. Em consequência, aquela que foi em tempos uma vasta rede comercial do império praticamente entrou em colapso.
Com uma queda tão abrupta no comércio, a receita dos impostos do governo também diminuiu. Em 301 a.C., a situação tornou-se tão desesperada que levou Diocleciano a avançar com uma "solução".
O Imperador Diocleciano
Primeiro, responsabilizou os especuladores pela inflação que grassava, impondo a pena de morte a alguns deles.
Em seguida, fez publicar a que é provavelmente a lei mais idiota na história do mundo - o agora infame Édito dos Preços Máximos [link], que impôs o controlo de preços sobre um milhar de bens e serviços como o vinho, o vestuário ou os salários.
É claro que qualquer estudante de economia do ensino secundário [Simon Black não está a par dos programas das nossas escolas públicas...] pode dizer que os controlos de preços não funcionam. E também não funcionaram com Diocleciano.
A prazo, o efeito da lei foi devastador. A inflação e as situações de escassez rapidamente se instalaram. E verificou-se um êxodo em massa, de ricos e pobres, que fugiram do império em busca de uma vida melhor.
Poder-se-ia argumentar que foi esta a gota que fez transbordar o copo em Roma.
Ironicamente, Diocleciano estava de facto a tentar "reformar" o sistema, não a procurar lançar Roma no precipício. No entanto, este é um dos inúmeros exemplos históricos em como o caminho para a ruína está quase sempre pavimentado de boas intenções [ou, "de boas intenções está o Inferno cheio"].
Um "Diocleciano" venezuelano
Tal como sucedeu com Diocleciano, os nossos políticos contemporâneos estão constantemente a tentar "consertar" as coisas. Contudo, as suas tentativas fracassam de forma miserável, e, tipicamente, tornam a situação pior.
Duas das leis mais destrutivas recentemente aprovadas pelo governo dos EUA são, por exemplo, a (1) a Dodd-Frank Wall Street Reform Consumer Protection Act [link] e (2) a Foreign Account Tax Compliance Act (FATCA) [link].
Tal como o édito de Diocleciano, estas leis são tentativas de reforma do sistema. No entanto, os resultados têm sido desastrosos. Em particular, elas destruíram uma das últimas vantagens competitivas que os Estados Unidos têm hoje em dia: a superioridade do seu sistema bancário.
O sistema bancário dos EUA é realmente o alicerce do sistema bancário global; uma transferência bancária internacional, digamos, da Tailândia para a Colômbia passará por um ou dois dos grandes bancos de Wall Street antes de chegar ao seu destino final.
Praticamente todos os bancos em todo o mundo dependem do sistema bancário dos EUA. É crítico.
E no entanto cada uma dessas leis cria regulamentações debilitantes e onerosas que os bancos estrangeiros são obrigados a respeitar.
Constitui o cúmulo da arrogância que o governo dos EUA pretenda ser capaz de regular e controlar os bancos estrangeiros.
Mas a única coisa que as leis estão realmente fazer é acelerar a criação de um novo padrão para a operação bancária internacional - que vai minimizar a influência dos EUA.
Isto tornou-se muito claro nestes últimos dias, aqui em Singapura, onde tive reuniões com vários banqueiros.
Muitos executivos de topo explicaram-me que estão rapidamente a expandir relações com os seus "bancos correspondentes" regionais. Também me disseram como a fatia do comércio internacional, que não recorre ao dólar como meio de pagamento, está realmente a explodir.
Por outras palavras, a Ásia está a iniciar a sua declaração de independência financeira através do estabelecimento do seu próprio sistema para evitar os bancos norte-americanos. Locais como Singapura e Hong Kong estão a tornar-se em centros primários de liquidação de pagamentos e de correspondência, em vez dos EUA.
Tudo isso reduz substancialmente o poder e a influência dos EUA. Assim, tal como sucedeu com o Édito de Diocleciano, estas leis "reformadoras" têm vindo a produzir o efeito oposto do pretendido pelo governo dos EUA.
Os bancos estrangeiros, por ora, estão a respeitá-las. Mas, dentro de pouco tempo, os Estados Unidos acabarão por perder uma das poucas jóias remanescentes do seu domínio financeiro global.
Simon Black
4 comentários:
Permita-me levantar uma questão.
Apesar da imensa expansão monetária americana, a inflação de preços americana não é explosiva. Pelos artigos que tenho lido, suponho que há dois fatores moderadores da inflação de preços americana.
1. O dinheiro novo que os bancos não estão colocando no mercado (o tesouro os paga para manterem essa grana fora do mercado).
2. O enorme volume de dólares em mãos de extrangeiros.
Então pergunto: Havendo uma forte diminuição do uso do dolar no mercado internacional, isso não causará inflação de preços nos EUA?
Caro Aprendiz,
Também creio que os factores que enunciou são os principais motivos da aparentemente moderada subida dos preços no consumidor. Uso "aparentemente" porque o próprio processo de cálculo do índice vem reduzindo de forma artificial a medida da efectiva subida dos preços nos EUA (ver, por exemplo, aqui), distorção que muito proximamente se irá voltar a intensificar pela introdução de novas alterações metodológicas no seu cálculo.
Quanto ao impacto no nível geral de preços dos EUA, em resultado de uma diminuição significativa na utilização do dólar como moeda internacional de reserva, parece-me bem possível que venha a ser significativo embora, creio, de uma forma indirecta - resultado de uma menor procura de dólares. Isso terá como consequência a sua depreciação, tendencialmente significativa, face a outras moedas e, desse modo, o relativo empobrecimento dos EUA que poderá levar as autoridades monetárias a imprimir ainda mais moeda para tentar contrariar esse efeito. Se tal acontecer...
Por fim, uma pequena nota de discordância com o que escreveu. O parqueamento de milhões de milhões de dólares no Fed por parte da banca não ocorre apenas pela remuneração (de resto, modesta) que o Fed lhe proporciona. Resulta, em boa medida, da desconfiança que continua a existir quanto à carteira de créditos da banca e, por outro lado, a um muito maior cuidado na concessão de crédito, quando não existe nenhuma “carta de conforto” por parte do Fed (caso das MBS). O novo dinheiro vem circulando circula em ambientes fechados, especialmente em Wall Street, em segmentos do imobiliário (especialmente os de luxo), etc., onde, aí sim, se verifica uma brutal inflação nos preços.
Sem duvida(penso) que este maduro foi uma benção para as oposições rancorosas que há anos contribuem para fazer da Venezuela uma sociedade de violencia. Agora acredito que os americanos/ingleses vão deitar as unhas a maior reserva de petoleo das Americas.
Volta Chavez est´s perdoado.
Aprendiz e Eduardo,
A inflação, efectivamente, ainda não se fez sentir de um modo assinalável, mas está presente em alguns sectores.
A manutenção da moeda criada ela FED dentro de limites (Wall Street) tem segurado o dique. Até quando? Bastou a hipótese de paragem das impressoras americanas para outros mercados se terem ressentido. De qualquer modo, a curto prazo, o dólar vai valorizar-se face a outras moedas. O problema poderá surgir quando o dólar "regressar a casa", i.e. quando os países que têm reserva em dólares começarem a interessar-se por outra reserva de valor (ouro, por exemplo) e colocarem no mercado esses dólares. Aí, em vez da exportação da inflação, os EUA passarão a importá-la. Cairá o dique?
Saudações,
LV
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