Detlev Sclichter não acredita (como também, entre outros, Peter Schiff) que exista uma estratégia de saída da "flexibilização quantitativa" (QE) por parte do Fed (como outros bancos centrais - Reino Unido, Suíça, Japão e sim, também o BCE). No artigo abaixo, explica porquê e creio que com argumentos bem convincentes. Daí que o que é de esperar é a continuação de mais do mesmo, ou seja, mais QE. Como cunhou Schiff, o mais provável será "QE To Infinity And Beyond".
Não custa perceber que assim seja: quem quer que tenha tido de lidar com uma sítuação de vício profundo, sabe não há verdadeira saída que não passe pelo corte abrupto da ingestão da droga. É muito doloroso o desmame abrupto mas é também simultâneamente o de mais rápida recuperação (e maior probabilidade de sucesso). Bernanke já está de saída pelo que será o seu sucessor que terá de lidar com os cacos provenientes da acção do "Helicopter Ben". A tradução, como habitualmente, é minha.
Um nova previsão está a alastrar nos mercados financeiros como se de um vírus se tratasse: o Fed está prestes a fechar a torneira monetária. O Impressor-em-Chefe dos EUA, o general Ben Bernanke, anunciou que poderia começar a reduzir o programa mensal de monetização da dívida, denominado de "quantitative easing" (QE), já no Outono de 2013, e talvez até terminando-o na totalidade em meados do próximo ano. Ele assegurou os mercados que o Fed iria manter a taxa de juro directora (a taxa dos Fed Funds) próxima de zero, pelo menos até 2015. Ainda assim, o fim do QE é visto como o início do fim da política [monetária] super-expansionista e, potencialmente, o primeiro passo no sentido da normalização, como se alguém ainda tivesse alguma ideia do que "normal" significasse.
Temendo que o fluxo do nutritivo leite materno do Fed pudesse secar, uma Wall Street resolutamente não desmamada teve um chilique e entrou em pânico.
Detlev Schlichter
Até aqui, tudo bem. Há apenas um único problema: isso não irá acontecer.
É certo que eu sou o primeiro a declarar que o Fed DEVERIA abolir o QE, e não apenas no Outono deste ano ou no Verão do próximo, mas agora. Agora mesmo. Porquê? Porque uma política de QE e de taxas de juro zero é uma loucura completa. Ela distorce os mercados, sabota a liquidação dos desequilíbrios, proíbe o correcto apreçamento do risco, e incentiva a acumulação de dívida. Ela entorpece os poderes curativos do mercado ao permitir a continuação do "fingir e expandir" na indústria financeira - e acrescenta novos desequilíbrios aos anteriores que ela também ajuda a manter.
Esta política pode ter impedido - por enquanto - a deflação da dívida [ligada ao endividamento], mas talvez a deflação da dívida seja aquilo que é necessário.
O QE não é senão uma massiva intervenção no mercado. É destrutivo. Não resolve os problemas subjacentes criando ao invés novos problemas.
O carro de escapada de Larry Summer
No entanto, nenhuma destas objecções é, sequer, registada no Fed. O Fed tem uma perspectiva completamente diferente: esta política foi um sucesso estrondoso e como tem funcionado tão bem pode agora gradualmente desvanescer-se. Em breve, não haverá necessidade dela. A pavorosa frase de Larry Summer captura esse modo de pensar provavelmente da melhor forma: a economia atingirá em breve a "velocidade de escape".
A maioria das analogias são um pouco pobres, mas esta é particularmente inepta. Ironicamente, porém, a referência à mecânica capta muito bem a lógica dos keynesianos e outros intervencionistas: a economia é como um objecto físico que se desloca através do espaço e que, ocasionalmente, necessita de um pequeno empurrão para começar a mover-se novamente a uma velocidade adequada. A política fornece o impulso.
Bernanke não usa esses termos mas o seu pensamento é semelhante. Ele explicou o QE ao público americano em 2010 anunciando que o seu trabalho consistia em ocasionalmente manipular as taxas de juros e os preços dos activos para encorajar o crédito, o endividamento, as despesa, as compras e outras saudáveis actividades económicas, e que uma vez que as suas maquinações houvessem estimulado suficientemente essas actividades, a economia voltaria a entrar num ciclo virtuoso (suas palavras) de crescimento auto-sustentado. A velocidade de escape foi restaurada.
Eu acho que isso é um absurdo, por mais atraente que possa parecer a muitos leigos. A economia não é um objecto que precise de um empurrão, ou uma máquina que precise ser iniciada, ou uma mula preguiçosa que necessita de uma suave palmada nos quartos traseiros para recomeçar a andar (evidentemente, nunca se deve magoar um animal!). A economia constitui um complexo processo de coordenação, uma elaborada ferramenta que permite a um amplo e diversificado conjunto de actores, com objectivos e interesses diferentes e muitas vezes conflituantes, cooperarem uns com os outros de forma pacífica conduzindo à melhor concretização possível dos seus próprios objectivos materiais. A crise é uma falha desse processo de coordenação. É um conjunto de erros. A única explicação para a ocorrência de um tal conjunto de erros é uma distorção sistemática das propriedades de coordenação do mercado, tal como ocorre quando a expansão monetária distorce as taxas de juro e outros preços relativos, e leva a desequilíbrios que perturbam a economia.
A economia entrou em recessão devido às maciças deformações financeiras. O dinheiro fácil levou ao endividamento excessivo, a uma bolha imobiliária e a níveis perigosos de alavancagem. Os problemas eram essas distorções, não a ausência de momentum. A verdadeira questão não é se as estatísticas do PIB exibem a velocidade adequada mas se os deslocamentos subjacentes - que, para desgosto dos econometristas, não podem ser facilmente avaliados a partir dos dados macro - se dissolveram agora.
Sem escapatória
O Fed acredita ter curado uma economia que estava doente devido ao dinheiro fácil com a continuação da política de dinheiro fácil. O paciente está sentindo-se melhor e em breve poderá sair dos cuidados intensivos. Na minha opinião, o paciente continua doente e sofre agora de um perigoso vício para poder "arrancar". A parte do "sentir-se melhor" talvez, e não mais que talvez, possa ser o resultado remanescente da generosa medicação do Dr. Bernanke. Os sintomas de abstinência podem vir à tona em breve. Se tal acontecer, o Dr. Bernanke irá simplesmente abrir uma vez mais o armário dos medicamentos. Não se esqueça que, apenas há umas semanas atrás, o homem apareceu na TV e tentou fazer subir o índice bolsista Russell 3000.
Ben Bernanke
Eu não duvido que, se aferida pelo PIB global, a economia dos EUA esteja actualmente em melhor situação. Eu seria tolo em enfrentar o Fed quanto a este ponto. O Fed tem uma equipa de mais de 200 economistas, a maioria deles, presumo, provenientes das melhores universidades da América, o que não significa que eles sejam bons economistas mas, em todo o caso, provavelmente bons estaticistas. Se eles dizem que a economia dá sinais de vida, isso basta-me.
Onde eu discordo é na narrativa. As deformações, em grande medida, permanecem. Como seria possível que não permanecessem, dado o enorme esforço político para reprimir as forças de mercado que - num mercado livre - teriam exposto e liquidado essas deformações? Elas são ainda visíveis, entre outros indicadores, no alto grau de endividamento. E elas são importantes. É por isso que eu estou desconfiado das projecções do Fed. As suas teorias obrigam-os a acreditar em ciclos virtuosos e em "velocidade de escape" e em ignorar desequilíbrios e distorções. Qualquer saída sustentável da política super-expansionista do dinheiro fácil permitirá que essas deformações ressurjam e imediatamente toldem a perspectiva cíclica de curto prazo. De acordo com a minha visão de mundo, deve permitir que isso aconteça, pois é parte essencial do processo de cura. Mas isso vai contra a visão de mundo do Fed como da visão do Fed da sua própria missão.
A única instituição que carece de "velocidade de escape" é o Fed. Ele permanecerá refém dos monstros financeiros que criou e dos perigoso equívocos da sua própria grandeza.
1 comentário:
Só grandes posts!
;)
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