sábado, 17 de agosto de 2013

Um crime horrível ausente dos códigos penais

Enquanto se persiste em condenar criminosos sem que tenham provocado vítimas (de que este é um caso flagrante), há organizações que se têm dedicado a evitar que, anualmente, sejam salvas milhões de pessoas de uma morte evitável. Já foi assim com o DDT e Matt Ridley vem recordar-nos de uma situação similar que vem ocorrendo como resultado da oposição militante das organizações ambientalistas, particularmente da icónica Greenpeace, às culturas agrícolas geneticamente modificadas (GM) - GM crops don’t kill kids. Opposing them does. Eis pois um crime que não consta de nenhum código penal pelo que, tecnicamente, não há criminosos apesar de as vítimas mortais se contarem por milhões.

A tradução é, como habitualmente, da minha autoria.
Foram os patos-arlequim que nos ligaram. Dez anos atrás, numa reunião em Monterey, na Califórnia, para celebrar o 50º aniversário da descoberta da estrutura do DNA, cruzei-me com o biólogo alemão Ingo Potrykus a observar patos-arlequim no porto antes do pequeno-almoço. O entusiasmo comum pela observação de aves quebrou o gelo entre nós.

Eu sabia quem era, claro. Ele tinha sido capa da revista Time por, potencialmente, ter solucionado um dos grandes desafios humanitários do mundo. Quatro anos antes, com o seu colega Peter Beyer, tinha acrescentado três genes aos 30 mil existentes no arroz para ajudar a prevenir a carência de vitamina A, uma das principais causas evitáveis de morbilidade e mortalidade em países pobres, com dietas fortemente dependentes do arroz. Fizeram-no a troco de nada, persuadindo as empresas a renunciar às suas patentes, de modo a que pudessem dar as sementes de arroz gratuitamente. Tratou-se de um impulso puramente humanitário.

Soubéssemos, Ingo ou eu próprio, que dez anos mais tarde este arroz ainda não estaria disponível para os pobres, que uma campanha sistemática para o denegrir, levada a cabo pelos colossos do movimento ambientalista, especialmente o Greenpeace, iria consumir honorários de advogados enquanto talvez 20 milhões de crianças morriam devido à deficiência de vitamina A, naquela manhã ele e eu teríamos ficado doentes de horror.

No debate sobre os alimentos geneticamente modificados que borbulha desde que Owen Paterson (sim, ele é meu cunhado, lidem lá com isso) se tornou no primeiro ministro europeu da Agricultura a entusiasticamente apoiar as culturas geneticamente modificadas há algumas semanas atrás, nem um único jornalista britânico ou blogger, que eu saiba, se preocupou em investigar os factos relativos ao arroz dourado, o qual ocupou um espaço tão proeminente no seu discurso. Certamente, pensei eu, alguns repórteres iriam sair para as Filipinas, para a China e para a Suíça e descobrir o que está de facto a acontecer. Mas não. Tal como aconteceu com a fracturação hidráulica [fracking], é mais fácil relatar a controvérsia.

Bem, vou eu próprio contar a história. A Syngenta, uma empresa de negócios agrícolas, melhorou o "arroz dourado" do Professor Potrykus através da adição de dois genes em vez de três (um proveniente do milho, um de uma bactéria do solo comum) até obter boas produtividades e proporcionar 60% das necessidades diárias de vitamina A de uma criança com apenas 50 gramas de arroz. Assim, para todas aquelas pessoas pobres que não podiam pagar, e a quem nunca lhes seriam oferecidos suplementos [vitamínicos], que não tinham onde semear espinafres mas que viviam em grande parte do arroz, a simples substituição do arroz normal pelo arroz dourado iria permitir salvar vidas.


Uma e outra vez, a correcção de deficiências nutricionais surge no topo da lista quando as prioridades humanitárias são ordenadas segundo análises de custo-benefício. A Organização Mundial de Saúde estima que 170 a 230 milhões de crianças e 20 milhões de mulheres grávidas têm um défice de vitamina A e, uma vez que esta condição debilita o sistema imunitário, o que leva à morte de entre 1,9 a 2,7 milhões de pessoas, ano após ano, mais do que a SIDA, a tuberculose e a malária. Ouvimos muita coisa sobre avaliações de risco; bem, aqui está uma avaliação de benefícios.

De seguida, veio a reacção. A Greenpeace e os seus amigos pressionaram os governos para abrandar o ritmo do projecto e fazer crescer os seus custos. As suas objecções têm variado: que o arroz dourado foi uma conspiração empresarial (mentira); que não produziam quantidade suficiente de vitamina A (não é verdade); que podia causar problemas de saúde (uma tigela de arroz enriquecida por vitamina?); que podia perturbar os ecossistemas (improvável numa espécie cultivada) e que as cápsulas de vitamina A eram uma melhor aposta (depois de 20 anos a um custo anual de mil milhões de dólares, as cápsulas de vitamina continuam a chegar a muito poucas pessoas).

Apesar do Professor Potrykus, ou de Adrian Dubock, que agora dirige o Projecto Arroz Dourado, terem respondido a  todas as objecções, os verdes foram implacáveis​​. Um recém dirigente da Greenpeace afirmou brevemente que iriam olhar mais uma vez para o tema, após o que foi liminarmente recusado. Os dois investigadores da Syngenta, que tinham melhorado o arroz dourado, perderam os seus empregos quando a empresa saiu da Grã-Bretanha graças à histeria sobre a "comida de Frankenstein" [Frankenfoods].

"Acha que eu deveria mostrar fotografias de bebés cegos nos slides das minhas apresentações?" perguntou-me uma vez o Professor Potrykus. Em 2010, ele não aguentou mais. "Por conseguinte, afirmo que a regulação da engenharia genética é responsável pela morte e pela cegueira de milhares de crianças e jovens mães", escreveu ele na revista Nature.

Recentemente, três grupos de 24 crianças chinesas foram alimentados com arroz dourado, espinafres ou com cápsulas de beta-caroteno durante um ensaio científico. O organizador, com o acordo dos conselhos de revisão ética envolvidos e as orientações do governo dos EUA, mas em retrospectiva insensatamente, não disse aos seus pais que estavam envolvidos alimentos geneticamente modificados. O inferno começou, os cientistas foram presos, e depois despedidos. A Greenpeace teve exactamente o que queria: um escândalo envolvendo o arroz dourado. Não importa que nenhum dano tenha ocorrido, ou que pudesse ter sido ocorrido - a percepção é tudo.

Tirando partido de actuar em casa, a Greenpeace interpôs um processo judicial nas Filipinas contra as beringelas resistentes a insectos. Em consequência, a modificação genética poderá ter que parar nas Filipinas, onde o arroz dourado está sendo testado no campo. Os verdes estão desesperados por impedir o arroz dourado porque ele enfraquece todas as suas críticas às culturas GM. Não tem fins lucrativos, é gratuito, é um reforço nutritivo e é de maior valia para os pobres do que para os ricos: só os agricultores que ganham menos de 10 mil dólares por ano serão autorizados a vender as sementes. A verdade é que as culturas GM já demonstraram ser amigas dos pobres: elas permitiram que pessoas na Índia e no Burkina Faso cultivem algodão praticamente sem recurso a insecticidas, por exemplo. A sua cultura aumentou tremendamente a produtividade agrícola, reduziu o uso dos pesticidas e trouxe de volta a fauna selvagem às terras agrícolas.

Em vez disso, imagine-se um sistema agrícola que frequentemente esgota o solo, necessita de mais terra, ocasionalmente mata pessoas através de alimentos contaminados, utiliza mudanças genéticas despercebidas e desordenadas causadas por raios gama e licencia sprays tóxicos antiquados. Proibi-lo-íamos, não?

Bem, a agricultura orgânica é isso. Porque recusa fertilizantes inorgânicos, esgota a fertilidade do solo a menos que um agricultor seja suficientemente rico para se dar ao luxo de usar estrume vindo de outros lugares. Porque as sua produtividades são mais baixas, usa cerca de duas vezes mais terra que a agricultura inorgânica para produzir a mesma quantidade de alimentos. Porque utiliza estrume, corre o risco de ocorrência de surtos de intoxicação alimentar fatal como aquele em que rebentos de soja orgânicos alemães mataram 53 pessoas em 2011. Porque alegremente usa variedades de culturas como a cevada "promessa dourada" cujos genes foram deliberadamente misturados por raios gama numa instalação nuclear, não tem quaisquer escrúpulos acerca das alterações genéticas aleatórias, apenas daquelas que são específicas (e precisas). E porque permite a utilização de pesticidas anteriores à guerra, está feliz por licenciar fungicidas químicos à base de cobre.

Entretanto, pelo menos meio milhão, talvez mesmo dois milhões de crianças morrem anualmente da evitável deficiência de vitamina A. Na vossa consciência, Greenpeace.

Sem comentários: