quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A Grande Guerra 1914-1918 – Algumas notas e fragmentos (I)

No ano que decorre "comemoram-se" 100 anos sobre o início da "guerra para acabar com a guerra”. Uma guerra que iria "libertar os povos" do jugo dos impérios aristocráticos que negavam o direito daqueles à "autodeterminação". Uma guerra “justa” tanto mais que havia que “tornar o mundo seguro para a democracia”. Em definitivo, a decisão de participar no teatro de guerra europeu constituía um dever “humanitário” para os detentores do poder na “Terra dos Livres e Lar dos Bravos”. E é indisputável que a entrada na guerra da América foi absolutamente determinante para decidir quem seriam os imediatos vencedores e vencidos, 20 milhões de mortos depois. Poucos anos volvidos, todavia, ver-se-iam quais as suas ainda mais terríveis consequências mediatas. Como um militar britânico profeticamente observou na altura, "After the ‘war to end war’ they seem to have been pretty successful in Paris at making a ‘Peace to end Peace." (tradução: “Depois da ‘guerra para acabar com a guerra’ tudo indica que em Paris [Conferência de Paris, de 1919] foram coroados de êxito os esforços para alcançar uma ‘Paz para acabar com a Paz’”).

O grande historiador libertário Ralph Raico ensaia aqui, em jeito de prólogo, um telegráfico exercício "contrafactual" com o objectivo de ilustrar o real "ponto de viragem" que a I Guerra Mundial constituiu (minha tradução):
A Primeira Guerra Mundial é o ponto de viragem do século XX. Não tivesse a guerra ocorrido, os prussianos Hohenzollerns teriam muito provavelmente permanecido à frente dos destinos da Alemanha, com a sua subordinada panóplia de reis e nobreza a governar os mais pequenos estados alemães. Quaisquer que tivessem sido as vitórias de Hitler nas eleições para o Reichstag, teria ele conseguido erguer a sua ditadura totalitária e exterminacionista no meio desta poderosa superestrutura aristocrática? Teria sido altamente improvável. Na Rússia, os poucos milhares de revolucionários comunistas de Lenine confrontavam-se com o imenso exército imperial russo, o maior do mundo. Para que Lenine tivesse uma qualquer oportunidade de sucesso, aquele grande exército tinha primeiro que ser pulverizado, que foi o que os alemães fizeram. Assim, um século XX em que não tivesse ocorrido a Grande Guerra poderia muito bem ter significado um século sem nazis ou comunistas. Imagine-se um tal cenário! Foi também um ponto de viragem na história da nossa nação americana que, sob a liderança de Woodrow Wilson, se tornou em algo de radicalmente diferente daquilo que tinha sido anteriormente. Daí, a importância das origens daquela guerra, do seu desenrolar, e das suas consequências.
Com o devido respeito e ressalvadas as devidas distâncias, parece-nos que a Grande Guerra constituiu também um “ponto de viragem” em direcção a um horror inominável com contornos que o direito internacional prevalecente à sua eclosão considerava ilegais. Referimo-nos, nomeadamente, ao facto de com ela se ter tornado “legítimo” tomar as populações como alvos directos de guerra nomeadamente através da indução da fome severa e generalizada (mais tarde, com o desenvolvimento da aviação, viria o extermínio em massa das populações através dos bombardeamentos "estratégicos" de cidades desprovidas de objectivos militares).

Propomo-nos vir a fazer aqui no Espectador Interessado, ao longo das próximas semanas, um conjunto de incursões nessa época, e nas suas circunstâncias, tentando proporcionar aos leitores ângulos de abordagem desse "ponto de viragem" que, provavelmente, não serão dos mais comuns, antes se filiando assim numa visão inevitavelmente revisionista.

(Continua)

8 comentários:

Floribundus disse...

a conferência de Paris entregou o Südtirol à Itália. o sul da Hungria à Roménia e criou o falecido aborto chamado Jugoslávia.

depois de colocarem Lenine no poder fizeram o mesmo com Hitler.

a Europa empobreceu. morreram 20 milhões de camponeses Ucranianos à fome

os Judeus só falam no holocausto
e esquecem a sorte do povo Rom aka ciganos

o 2º marido de minha MÂE era armazenista de bens alimentares.
nunca ganhou tanto no após guerra e nunca foi tão pobre

recordava a miséria em Lisboa. no governo do maçon Sidónio, na criação da sopa dos pobres. na gripe espanhola. no feijão bichado chegado das colónias

a porca miséria vai continuar.
veio para ficar

Eduardo Freitas disse...

Caríssimo Floribundus,

Não quer considerar a hipótese de escrever algumas linhas sobre este tema? Estou em crer que com o(s) seu(s) saber(es) e experiência de vida muito teria a proporcionar aos leitores do EI se acaso acedesse a este (descarado) convite.

Saudações,

Eduardo Freitas

Vivendi disse...

Muito pertinente este tema Eduardo.

O séc. XX foi sem dúvida o século da grande calamidade socialista e que continua por aí no séc. XXI ao virar da esquina.

Importa estudar a história a sério.

Floribundus disse...

Caro Eduardo
aceito dentro das minhas limitações de saúde

para complicar descobriram que tenho aneurisma na aorta abdominal

pensei em mudar o pseudónimo para
Garcia d'Aorta

devido a 4 erros médicos estive para morrer em todas as décadas,mas 'não tenho onde cair morto'

Anónimo disse...

Caro Eduardo Freitas
Sobre as origens da I Guerra recomendo um livro que saiu recentemente de David Martelo " As origens da I Guerra".
Foi sobretudo o desejo francês de se desforrar de sedan e recuperar a Alsácia e Lorena. Do terror alemão de se encontrar entre 2 frentes de combate. Da icapacidade Austriaca de se afirmar face a uma Rússia ambiciosa. De muitas pequenas e grandes razões, mas nenhuma que que tivesse sentido ideológico ou político em sentido restrito
Mas a Alemanha nunca perdeu a guerra, e nunca combateu em solo Alemão. Foram as insurreições internas que a forçaram ao armistício. Cujos executantes estiveram ao nível dos fautores da guerra - péssimo.
E a tese contrafactual que apresenta poderia bem ter sido verdadeira...

Vasco Silveira

Eduardo Freitas disse...

Caro Vivendi,

Obrigado pelas palavras encorajadoras. Pela minha parte, encorajá-lo-ia também, aqui no EI ou no seu Viriatos, a divulgar as suas próprias reflexões (ou as de outros que julgue pertinentes) sobre esta matéria.


Caro Floribundus,

Fico muito grato pela disponibilidade apesar das limitações que refere que, espero, supere . Proponho que passemos agora a uma fase de troca de impressões fora das caixas de comentário. Nesse sentido, contactá-lo-ei de seguida.


Caro Vasco Silveira,

Muito grato pela indicação da obra que, por sinal, desconhecia.
A tese que refere não me é, contudo, completamente estranha.

Não só um especialista neste período histórico (nem em nenhum outro, de resto). Sou apenas um "espectador interessado" do que se passa à nossa volta e que entende que o conhecimento histórico é essencial para esse entendimento. Daí que a maior parte das minhas leituras recaia sobre o que se poderia designar por "história económica" ou, como em tempos se designava de "economia política" no contexto histórico. Uma obra contemporânea que ilustra este "paradigma" é o livro, fundamental, de Ludwig von Mises Omnipotent Government do qual, infelizmente segundo creio, não existe tradução em português (europeu ou brasileiro).

Não tenho pois a ambição de proporcionar teses inovadoras aos leitores do blogue mas tão só, humildemente, fazer eco de episódios suprimidos da historiografia "oficial" ou que esta brutalmente mutilou e distorceu.

Fugirei de interpretações de "síntese" de uma guerra que, na minha perspectiva, se desencadeou devido a uma complexa teia de interligações que viria a criar um clima de desconfiança entre os actores e uma "instabilidade estratégica" própria da nitroglicerina. A espoleta acabou por ocorrer em Sarajevo mas podia ter sido antecipada (por exemplo, na sequência do episódio de Marrocos). Creio que se tratou de uma guerra que estava à espera de acontecer.

Saudações

Eduardo Freitas

Suzana Toscano disse...

Interessantíssimo , com promissores desenvolvimentos, vou seguir com muito interesse. Certamente já leu o livro de Medeiros Ferreira "Não há mapa cor-de-rosa", onde também se oferece uma leitura de História deste período a propósito das raízes do processo de integração europeia, se não leu vale bem a pena. Cumprimentos.

Eduardo Freitas disse...

Cara Suzana Toscano,

Obrigado pela recomendação de leitura que vou procurar mover, na pilha dos "livros a ler", para uma posição mais perto da superfície.

Fico muito honrado por poder contar com a sua atenção, mas, em simultâneo, não posso deixar de temer que não venha a ser capaz de corresponder às expectativas.

Como num outro comentário acima alinhavei, esta é uma humilde iniciativa. Honesta, porém, nos propósitos que intenta.

Cumprimentos.