É, por assim dizer, fatal como o destino. De cada vez que ocorre uma desgraça natural - um furacão, um sismo, um tsunami - ou não natural - uma guerra, ou um qualquer devaneio de governantes sob regime ditatorial (ocorre Ceausescu e a destruição que levou a cabo do centro histórico de Bucareste) ou democrático (por exemplo as olimpíadas de Atenas que ontem aqui referia) - eis que comentadores de vária espécie e, em particular, economistas de uma escola de pensamento conhecida, exultam com as "oportunidades" de "crescimento" que elas supostamente proporcionam. Quem, entre os menos novos, não se lembra, por exemplo, de ler e ouvir que o atraso português se atribuía à circunstância, desfavorável, de não termos participado na II Grande Guerra?
Robert P. Murphy, em Hurricanes Are Nature’s Keynesianism, desmonta pela n-ésima vez a mistificação keynesiana. Pareceu-me oportuno proporcionar uma tradução, de minha responsabilidade, do seu artigo na The American Conservative.
Era inevitável que com a chegada do furacão Sandy vários analistas económicos iriam especular sobre os seus efeitos sobre "a economia". Escusado será dizer que alguns diziam que o furacão iria estimular a despesa - tanto ao nível do comércio de retalho como ao da reconstrução - e nesse sentido poderia realmente proporcionar um aumento do PIB. Todo o episódio é ainda outro lembrete de que as velhas falácias teimam em persistir em economia. A noção de senso comum de que um desastre natural é algo de mau está correcta; só analistas "sofisticados" poderiam pensar de outra forma.
O problema básico aqui é o que Henry Hazlitt designou por "falácia da janela quebrada", seguindo a exposição famosa de Frédéric Bastiat. A ideia fundamental é que é uma miopia concentrar a atenção apenas no emprego dado aos trabalhadores que têm de proceder à reconstrução após um qualquer acto de destruição. No presente caso, é certamente verdade que os vidraceiros, os produtores de cabo telefónico e as diversas equipas de construção observarão uma maior procura pelos seus serviços após a passagem do furacão Sandy. Os seus lucros mais elevados, por sua vez, poderão levá-los a gastar mais em restaurantes, artigos de luxo e assim por diante, promovendo o emprego também nesses sectores [o "efeito multiplicador"]. Esta é a génese da noção de que um acto de destruição pode ser um mal que venha por bem.
Mas o que este ponto de vista esquece, explicou Bastiat e depois Hazlitt, é que as pessoas iniciais que estão a gastar dinheiro na reconstrução poderiam ter gasto o seu dinheiro noutras coisas. Assim, em vez de pagar, digamos, 1000 dólares para substituir a sua estilhaçada vitrina da loja, um lojista poderia em vez disso ter gasto 1000 dólares comprando um computador novo. Assim, a utilização adicional dada ao vidraceiro et al., por causa do furacão, seria meramente redireccionada da utilização que de outra forma poderia ter ido para a indústria de software e para todos os restaurantes, etc., nos quais os seus colaboradores teriam gasto os salários.
Além disso, Bastiat e Hazlitt assinalaram que não é simplesmente um jogo de soma nula: no caso do furacão, não há nenhuma nova riqueza criada, as pessoas têm que despender trabalho e outros recursos escassos apenas para regressar ao status quo. Na ausência da tempestade, as despesas extras teriam levado à criação de novos itens de riqueza, ou de um fluxo adicional de serviços.
Agora, um economista keynesiano sofisticado poderia responder aos meus argumentos acima apresentados argumentando de acordo com as linhas seguintes: "Sim, de um modo geral um desastre natural não confere qualquer benefício económico. Porém, no caso de existirem recursos disponíveis ociosos e um desemprego elevado - situação que agora enfrentamos - o choque artificial da procura faz aumentar de facto o PIB, em vez de alterar meramente a composição daquilo que é produzido. As pessoas adicionais postas a trabalhar para reparar os danos causados por tempestades não se limitam a provir de outras cadeias produtivas, porque havia uma gigantesca pool de pessoas desempregadas nas vésperas da tempestade".
Mesmo nos seus próprios termos, esta proposição é discutível. As pessoas desempregadas em todo o país na véspera da chegada do furacão não estavam perfeitamente equipadas para reparar os danos na costa leste. Por outras palavras, muito do trabalho, vidro, madeira, aço, borracha e outros recursos utilizados na sequência do Sandy sê-lo-ão realmente à custa de outras utilizações. Estes recursos serão utilizados para simplesmente substituir o que a tempestade destruiu, quando mesmo na nossa recessão actual teriam sido utilizados para produzir novos fluxos de serviços ou nova riqueza tangível. Na medida em que esta condição empiricamente se mantenha, então a tempestade não confere verdadeiramente nenhum benefício económico que seja.
Todavia, para efeitos de argumentação, admitamos a tese da existência de que há, digamos, 10 mil milhões de dólares para despesas de reconstrução e que esse dinheiro apenas "suga" os trabalhadores desempregados fazendo-os regressar à produção, sem sacrifício de outra produção. A título de um exemplo específico, suponhamos que os 10 mil milhões de dólares acabam por ter como destino o milhão de trabalhadores anteriormente desempregados, em que cada um ganha 10 mil dólares durante alguns meses para reparar os estragos. O PIB oficial sobe porque, por hipótese, a produção dos demais itens segue o mesmo caminho que de outro modo teria ocorrido e agora além deles temos os "bens acabados e serviços" dos novos vidros das janelas, das novas novas, linhas telefónicas, etc. que irão sendo produzidos ao longo dos próximos meses. Podemos dizer que, neste caso, a tempestade "ajudou a economia"?
Poderíamos dizer isso, se tomássemos "a economia" como sendo a mesma coisa que o "PIB oficial", mas ao fazê-lo teríamos separado totalmente a ligação entre as métricas convencionais da saúde económica e o bem-estar humano real [itálico meu]. Pois neste caso hipotético, o impulso dado ao PIB iria de mão dada com uma demonstrável redução no bem-estar económico agregado. Em particular, as pessoas despendendo os 10 mil milhões de dólares ficariam sem 10 mil milhões de dólares. Por construção, neste exemplo, o seu consumo e acumulação de outros bens duráveis é o mesmo, mas eles também estão gastando 10 mil milhões de dólares somente para reparar os danos causados por tempestades. Assim, as suas poupanças diminuem necessariamente de dez mil milhões de dólares e nada têm para mostrar em troca.
Em contraste, os trabalhadores anteriormente desempregados têm mais 10 mil milhões de dólares. Contudo não se trata de uma simples transferência ou redistribuição - estas pessoas tiveram de trabalhar durante alguns meses para ganhar esse dinheiro, pelo que realmente não ganharam um total de 10 mil milhões de dólares, como teria ocorrido se lhes tivessem acabado de entregar o dinheiro de graça. Assim, na medida em que nos pretendamos envolver em medidas agregadas de bem-estar humano, a única conclusão razoável a retirar é que a "sociedade" ou "a América" ou "a economia" está mais pobre em termos líquidos. Repetindo, isto ocorre porque um grupo de americanos (aqueles que estão sofrendo os danos causados por tempestades) têm menos 10 mil milhões de dólares e nada têm de novo para mostrar por eles, enquanto outro grupo de americanos (o milhão de pessoas anteriormente desempregadas que agora são contratados para repararem os estragos) estão melhor, mas não no montante total dos 10 mil milhões de dólares, devido ao valor do seu tempo livre assim perdido.
O caso "macro" de uma economia com recursos disponíveis ociosos, a serem de repente sacudidos para fora da sua rotina por um furacão, é análogo a um caso "micro" de um homem que foi despedido, agonizando quanto ao que fazer de si próprio. Deverá ele voltar para a escola, oferecer-se para trabalhar em restaurantes de fast food, iniciar o seu próprio negócio de cortar relva ...? A certa altura, no meio da sua indecisão, apercebe-se que a sua casa está a arder! O homem, de repente, sabe exactamente o que precisa de fazer consigo próprio - tem que correr para a cozinha e ir buscar o extintor de incêndio. E todavia alguém ousará afirmar que o fogo, não obstante os danos materiais da casa, resolveu ao menos o problema do homem de mão-de-obra ociosa?
Em conclusão, sob qualquer sentido razoável do termo, um desastre natural como o furacão Sandy não é "bom para a economia". As pessoas que defendem o contrário estão simplesmente demonstrando os problemas da obsessão convencional quanto às estatísticas oficiais do PIB.
1 comentário:
Um Sandy por dia a passar em cima dos bens destas almas iluminadas seria soberbo para a comunidade.
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