Com a publicação da parte III, termino a publicação do artigo da Spiegel cujo conteúdo entendi ser de especial interesse público o que me levou a traduzi-lo (parte I e parte II). Nele se espelham muitos dos nossos problemas que as novas renováveis vieram introduzir no país sem que se detectem quaisquer benefícios tangíveis para a generalidade dos portugueses (como para os consumidores alemães). Se os custos para um país rico como a Alemanha se revelam estratosféricos, eles são devastadores para um país pobre como o nosso. Mas tudo isto, repito, não é mais do que um novo (e inevitável) falhanço total do planeamento central à moda da "economia mista". Keynesiana, portanto.
Parte III - Centrais eléctricas: forçadas a perder dinheiro
Um kaiser governava ainda a Alemanha quando a central Franken produziu electricidade pela primeira vez, há quase 100 anos atrás. O encerramento da central esteve efectivamente previsto mas, por causa da reviravolta na política energética, Franken 1 foi autorizada a permanecer em operação.
No próximo Inverno, nos dias em que o sol não estiver brilhando e não houver vento, os bávaros poderão muito bem considerar-se afortunados por a antiga central permanecer ligada à rede. A central pode produzir mais de 850 megawatts de energia eléctrica, em cima da hora, diz o responsável pela central, Wolfgang Althaus, ainda que a um custo elevado.
Franken é parte da assim chamada "reserva fria" de fornecimento de electricidade da Alemanha. Na medida em que não há capacidade de armazenamento [de energia] suficiente, virtualmente todas as centrais solares e todas as turbinas eólicas têm que ser apoiadas por uma central convencional. Sem esta estrutura dupla, o fornecimento de energia entraria em colapso.
Ao mesmo tempo, no entanto, o boom na energia renovável subsidiada está a assegurar que as centrais eléctricas convencionais já não sejam rentáveis. Uma vez que a lei exige que se dê preferência à energia verde, se ela estiver disponível, as centrais a gás, a fuel ou a carvão, têm frequentemente que ser desligadas para evitar a sobrecarga na rede. Isso reduz suas receitas enquanto aumenta os custos de produção porque o seu liga-desliga consome muito combustível e provoca desgaste adicional no equipamento.
No passado, os operadores das centrais eléctricas eram capazes de cobrar preços mais altos de energia eléctrica cerca do meio-dia. Mas agora há mais concorrência das centrais solares nesta altura do dia. Nos dias em que há muito vento, o sol estiver brilhando e consumo é baixo, os preços de mercado podem chegar cair para zero. Há até mesmo tal coisa como custos negativos, quando, por exemplo, as centrais hidroeléctricas austríacos dotadas de bombagem reversível são pagas para ficar com o excesso de electricidade que vem da Alemanha.
As perspectivas são tão pobres que os fornecedores de energia têm pouco interesse na construção de novas centrais. Nas condições actuais, mesmo as mais modernas e eficientes centrais a gás de ciclo combinado não estão a recuperar os milhares de milhões dos custos de investimento.
"É difícil justificar a construção de novas centrais convencionais de energia nesta fase difícil de transição", diz o CEO da RWE, Peter Terium. Se as empresas fizessem o que lhes convinha, também elas demoliriam as centrais antigas como Franken 1.
O Ministério da Economia está a elaborar um novo regulamento sob o qual os operadores das centrais eléctricas poderiam ser forçados a manter as suas centrais antigas ligadas à rede. Mas as empresas resistirão a isso. Embora elas estejam dispostas a estabelecer compromissos de curto prazo, não estão interessadas em manter as centrais conectadas à rede se, no longo prazo, "não recuperarem os seus custos de capital", diz Terium.
O que isto significa é que as empresas serão compensadas no futuro de modo a manterem as suas centrais de backup ligadas. Enquanto o governo considera elaborar um projecto de lei para o efeito, os consumidores de electricidade irão voltar a ser, mais uma vez, os únicos a pagar a conta.
Armazenamento de energia: muito pouco e muito caro
Quando os trabalhadores da siderurgia ArcelorMittal despejam uma carga de sucata de ferro no alto-forno, as chamas amarelas e brancas saltam do forno, produzindo um barulho infernal. A enorme quantidade de energia que está sendo consumida é quase fisicamente palpável. A fábrica, em Finkenwerder, no distrito de Hamburgo, consome um milhar de milhões de kilowatts-hora de electricidade por ano, ou seja, o equivalente a cerca de 250 mil habitações de famílias de quatro pessoas. Esse número pode tornar-se relevante em caso de emergência, como a que ocorreu no início de Fevereiro.
Com temperaturas extremamente baixas a persistirem em vastas regiões da Europa, houve um aumento no consumo de energia. Hamburgo esteve à beira de um apagão, diz o responsável pela central, Lutz Bandusch. Para manter as luzes da cidade acesas, ele desligou os altos-fornos e laminadores em Finkenwerder.
Em vez de ganhar dinheiro produzindo aço, o proprietário da siderurgia foi compensado por não o produzir. Foi um arranjo lucrativo para a fábrica de aço. "Tem que valer a pena de um ponto de vista económico", admite Bandusch, embora se tivesse sentido um pouco estranho estar a ser pago para não fazer nada.
Várias empresas estão actualmente a negociar com a Agência da Rede Federal sobre quanto lhes será pago para desligarem o seu equipamento em caso de escassez no fornecimento de energia eléctrica. A Alemanha, infelizmente, não tem capacidade de armazenamento suficiente para compensar a flutuação. E, ironicamente, a reviravolta havida na política energética tornou muito difícil operar instalações de armazenamento com lucro - uma situação semelhante à enfrentada pelas centrais convencionais.
No passado, os operadores das instalações de armazenamento de energia utilizavam a electricidade comprada aos baixos preços de madrugada para bombear água para os reservatórios. Ao meio-dia, quando o preço da electricidade era alto, eles libertavam para a turbinarem. Era um negócio rentável.
Mas agora os preços são por vezes elevados à noite e baixos ao meio-dia, o que faz com que a exploração das centrais já não seja rentável. A gigante sueca Vattenfall utilitário anunciou planos para fechar a sua instalação hidro-eléctrica para armazenamento (dotada de bombagem reversível) em Niederwartha, no estado da Saxónia, dentro de três anos. Uma muito necessária renovação seria demasiado dispendiosa. Mas qual é a alternativa?
As baterias também fazem parte dos planos do governo, e 400 milhões em fundos públicos já foram destinados à I&D relacionada. A indústria também tem grandes esperanças na tecnologia de bateria. Mas será isto realista?
Apenas para efeitos de diversão, Florian Schlögl, director do departamento das instalações de energia regenerativa no Instituto Fraunhofer de Energia Eólica e Tecnologias de Sistemas de Energia (IWES), no centro da cidade alemã de Kassel, calculou o tamanho da bateria que seria necessária para fornecer uma cidade como Munique (população de 1,38 milhões) de electricidade por dois ou três dias.
A resposta, diz Schlögl, depende das tecnologias de baterias disponíveis. Uma bateria de iões de lítio, em forma de cubo, como as usadas nos telemóveis e computadores portáteis, deveria ter 53 metros de comprimento de aresta. Isso torná-la-ia tão alta quanto o tecto do estádio Allianz Arena, onde o Bayern de Munique joga os seus jogos em casa, e pesaria 250.000 toneladas métricas. As dimensões seriam ainda maiores no caso de uma bateria de ácido e chumbo, como as usadas nos automóveis. Uma bateria destas em forma de cubo teria 93,3 metros de aresta - e Munique teria um novo ponto de referência.
Os especialistas concordam no objectivo mas questionam o caminho
O estado oriental de Brandenburgo já criou um ponto de referência semelhante para si. Na semana passada, o maior parque de energia solar da Alemanha foi inaugurado no distrito administrativo de Märkisch-Oderland, ensanduichado entre Berlim e a fronteira com a Polónia. O parque pode produzir electricidade suficiente para abastecer 48 mil famílias, pelo menos quando o sol está brilhando. Mas, infelizmente, ele não está ainda produzindo electricidade pois não se encontra ligado à rede. As linhas de transmissão de energia e o posto de transformação não estarão terminadas senão daqui a alguns meses.
Há um método nesta loucura. Para maximizar os subsídios do governo, o operador do parque solar queria concluí-lo antes do final de Setembro. Isto garante-lhe 20 anos de subsídios pela lei antiga pelo que esperar alguns meses antes de a central estar ligada à rede não lhe faz muita diferença.
Nos próximos anos, os consumidores de electricidade vão pagar mais de 100 mil milhões de euros em subsídios à energia solar. Milhares de milhões adicionais seguir-se-ão. Como o seu antecessor, o governo CDU/CSU-FDP actual também cedeu ao lobby solar. O seu modelo de negócio ainda é baseado na colecta de tantos subsídios quanto os possíveis, em vez de produzir tanta electricidade quanto possível e utilizável na rede.
Os especialistas acreditam que a nova política energética será um fracasso se esta situação continuar. A comissão encarregada pela chanceler Merkel para o acompanhamento do progresso da política energética vai apresentar o seu primeiro relatório em Dezembro. As primeiras declarações sugerem que o seu veredicto será altamente crítico.
Quando Andreas Löschel, o presidente da comissão, vai de bicicleta para o trabalho no Centro para Pesquisa Económica Europeia (ZEW), na cidade de Mannheim, ele passa por uma antiga central eléctrica. No Inverno passado, as chaminés expeliram fumaça uma vez mais. O fornecimento de energia eléctrica teria estado em risco sem esta central.
Löschel e os seus colegas do grupo de monitorização acreditam que os painéis solares e as turbinas eólicas fazem pouco sentido enquanto não houver suficiente capacidade de armazenamento [em albufeiras]. Eles advertem que os subsídios podem acabar por distorcer as decisões empresariais e resultar numa má gestão do sistema. Na sua opinião, é uma prática questionável impor aos consumidores de electricidade os custos e os riscos de tudo isto o que, por sua vez, reduz a aceitação pública do projecto. Georg Erdmann, da Universidade Técnica de Berlim, um outro membro do grupo de acompanhamento, calculou que a "avaliação" da EEG vai aumentar para até 10 cêntimos por kilowatt-hora a menos que o governo faça algo para o evitar.
Apesar de todas as críticas, os especialistas ainda acreditam que o novo paradigma energético é a coisa correcta a fazer. Apenas tem que ser feito correctamente, diz Löschel.
Quando o ministro do Ambiente, Altmaier, estava viajando neste Verão, foi muitas vezes questionado relativamente ao programa de supressão gradual do nuclear. Nessas conversas, os seus colegas de língua inglesa utilizaram com naturalidade o termo Energiewende, a palavra alemã para o novo paradigma energético. O termo, aparentemente, tornou-se universal.
Altmaier ficou satisfeito. Mas está por estabelecer se esta conversa da Energiewende na Alemanha será considerada no futuro como um elogio, tal como o jardim-de-infância [kindergarten] e a autoestrada [autobahn] entraram no idioma inglês como termos com conotação altamente positiva, ou se a Energiewende se tornará antes num termo irónico, algo como "o medo Alemão".
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