quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Lérias climáticas

Assinado por Nicolau Ferreira, o Público de hoje (edição em papel), na página 11, em página encimada por caixa a toda a largura "Clima - Aumento da temperatura das águas do Pacífico duplica hipótese de conflitos" apresenta um artigo, baseado num estudo publicado na Nature, cujo título é "Um quinto das guerras civis desde 1950 está associado ao El Niño". Sabendo do que a casa gasta, é impossível não começar por franzir o sobrolho. Mas, conceda-se o benefício da dúvida e gastemos algum tempo a ler o artigo. Destaco alguns trechos (realces de minha responsabilidade):

Sempre se tentou relacionar acontecimentos climáticos e meteorológicos a conflitos, guerras e fins de civilizações(...) O que agora uma equipa de cientistas acrescentou foram números que mostram que o fenómeno climático El Niño faz duplicar as probabilidades da existência de guerras e conflitos civis nas regiões do globo que sofrem os efeitos do aquecimento das águas do oceano Pacífico.

"O que é surpreendente no nosso estudo é a capacidade que o clima global tem para provocar violência."

O El Niño serve como modelo perfeito para estudar a dicotomia entre guerras e clima.
E como chegaram os investigadores a tal conclusão? O Público informa:
Os investigadores dividiram os países da Terra num grupo afectado pelo fenómeno [El Niño] e noutro não afectado. Depois mediram os conflitos civis desde 1950 (...) Os dados incluíram ao todo 234 conflitos, e mais de metade matou acima de mil pessoas.

Os resultados mostram que nos anos de El Niño os países que estão sob a sua influência climática duplicam a probabilidade de três para seis por cento de iniciarem um conflito civil. (...)

O estudo conclui também que nos últimos 60 anos, o El Niño "pode ter afectado" 21 por cento dos conflitos no mundo e 30 por cento dos conflitos nos países susceptíveis ao fenómeno.
No último parágrafo, lá se acaba por reconhecer que o "estudo" não estabelece "uma relação directa entre os efeitos do El Niño remetendo-se o "contraditório" das conclusões para o texto lateral, de muito menos destaque ("Como se faz a guerra? Falta explicar a relação entre clima e conflito"). Ou seja, na crítica aos investigadores da Universidade de Columbia, Halvard Buhaug, cientista político com bibliografia publicada a defender justamente a tese oposta, "[o] estudo falha em melhorar a nossa compreensão das causas dos conflitos armados já que não faz um esforço para explicar a associação entre os ciclos do El Niño e os riscos de conflito".(...) "Uma correlação não implica necessariamente causalidade".

Lérias.

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