Hoje o Expresso faz um exercício jornalístico (?), assinado por Anabela Campos, nas duas páginas centrais do caderno de economia, tendente a evidenciar que o país, pelo mão da troika e do PSD, se prepara para ficar sem empresas estratégicas o que justificaria o título principal - "Uns protegem, Portugal vende" - e o título secundário - "Privatizações - Portugal está prestes a sair das utilities, mas Alemanha e França mantêm grande peso nos seus sectores empresariais".
Catástrofe, portanto. Para a autora, o carácter "estratégico" de uma empresa desaparecerá logo que o Estado deixe de ter influência directa na gestão da mesma. Ou seja, e para dar um exemplo, o pequeno carácter estratégico que a PT ainda possuía, foi perdido há dias com o desaparecimento da golden share. Oh!
Anabela Santos, por razões que os leitores poderão avaliar, resolveu fazer uma espécie de benchmarking face, em particular, à França, à Alemanha, à Itália e à Espanha, para justificar a "caixa" da peça. Para isso, a jornalista elegeu os "sectores" dos comboios, da energia, dos correios, dos media e da água.
Tendo-me já em outras ocasiões pronunciado sobre os media (privatização integral da Rádio e Televisão Portuguesa e da Lusa) e deixando o notável (a triste título) "sector" dos transportes ferroviários para outra ocasião, gostaria agora apenas de deixar uns apontamentos sobre quatro das utilities em causa: a produção de electricidade (EDP); a rede de distribuição eléctrica (REN), os Correios e a AdP. Sucede que nestes quatro casos estamos/estivemos em presença do que, primeiro os juristas (nos finais do século XIX) e depois os economistas (nos anos 20 do século XX), designaram por "monopólios naturais". E a construção lexical foi certeira.
Primeiro, um monopólio é algo de mau (impõe preços nos seus bens e serviços superiores aos "justos" pelo facto de ser o agente único no seu fornecimento); segundo, o facto de ser "natural", supostamente, inerente à actividade em concreto, implicava que tivesse que ser detido por mãos públicas ou, em caso do capital ser privado, tivesse que ser "regulado".
Ora, esta lenda não resiste à investigação histórica (para uma introdução rápida, ver aqui). Não há um único caso, um único, em que se tenha demonstrado a existência de uma actividade que, deixada ao livre funcionamento do mercado, se transformasse num monopólio. Pelo contrário, foram os estados que criaram os monopólios (através da lei) e só através da intervenção estatal é que eles puderam perdurar. A lenda de que o estado teve de intervir para impedir os efeitos nefastos dos monopólios naturais rapidamente se transforma na realidade: a) corrupção do estado por parte de donos de grandes empresas com grande receio da "concorrência excessiva" que solicitaram a regulação adequada que os protegesse de outros competidores; b) a assunção ideológica de que o estado devia controlar esses monopólios, até porque se tratavam de sectores "estratégicos"...
E a profissão dos economistas não ficou bem na fotografia, desenvolvendo a teoria a posteriori para justificar os monopólios "naturais" que legalmente já tinham sido constituídos. Tal como a "Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda", publicada em 1936, veio a servir que nem ginjas para as políticas intervencionistas estatais que emergiram em todo o esplendor desde o início da década de 1930's e nunca mais nos abandonaram.
ACTUALIZAÇÃO:
O leitor Jorge Oliveira fez-me chegar, por email, um conjunto de correcções que julgo oportuno aqui assinalar:
A EDP não se pode associar apenas à produção de energia, uma vez que explora também a Rede de Distribuição, que corresponde às tensões desde 60 kV até à Baixa Tensão.
À REN cabe a exploração da Rede de Transporte, que corresponde a tensões acima de 60 kV até 400 kV. Para além, claro, da rede de transporte de gás natural em alta pressão, por obra e graça do governo Barroso, que colocou a Transgás dentro da REN, uma decisão com que sempre discordei. A Rede de Transporte de electricidade corresponde às linhas que interligam os centros produtores entre si e também às linhas de interligação com Espanha.
A antiga EDP, como empresa pública, era uma empresa verticalizada, que abarcava a Produção, o Transporte e a Distribuição. Note, no entanto, que a separação entre Rede de Transporte e Rede de Distribuição é puramente convencional, na medida em que a rede eléctrica é única.
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