Uma das mais persistentes (e perniciosas) falácias veiculadas pelos media, cuja aceitação é facilitada pela generalizada iliteracia económica, reside na atribuição de uma valorização positiva às exportações por contraste com uma demonização das importações (as doutrinas mercantilistas, não por acaso, surgiram e solidificaram-se com a emergência do absolutismo). Isto, claro, se não se estiver a falar de países como, por exemplo, a Alemanha ou a China. Nestes casos, por razões misteriosas, aqueles países são acusados de cometerem o crime de, ao não consumirem níveis "adequados" de bens importados, contribuírem para provocar desequilíbrios nas contas externas dos seus parceiros comerciais. Para os desequilibrados, claro está, a "culpa" não é deles, é dos outros.
Tem sido comum, no quadro da crise da dívida soberana na Europa, assistirmos a que muitos daqueles economistas que sabem que assim não é, acompanhem, as mais das vezes por omissão, a histeria irracional que preside àquele tipo de argumentos. Como já aqui chamei a atenção, e apesar do que Adam Smith, David Ricardo ou J. Stuart Mill sustentaram e Karl Marx exacerbou para os fins que se conhecem, o valor de um bem não é algo que exista de per se e que portanto seja externo (independente) às duas partes (comprador e vendedor) que o comerciam (trocam). Admitindo sempre a livre vontade, ou seja, a inexistência de coerção, se A se propõe vender um bem a B e este o compra é exactamente porque A valoriza o dinheiro recebido a título do preço mais do que o valor que atribuía ao bem que detinha; inversamente, o mesmo se passa com B pois este só adquire o bem porque lhe confere maior valor do que associava ao dinheiro que teve de ceder a B. Como tal, em cada troca voluntária, o bem-estar de cada um dos intervenientes aumenta sempre face ao que sucedia antes da transacção e é por isto que, para o economista, o valor (de um bem ou serviço) é subjectivo (ou não-cardinal), variando no tempo para cada um dos agentes económicos.
Significa isto que a arbitrariedade geográfica sobre a qual se apuram défices ou superavits externos, por si só, nada diz quanto à real evolução do bem-estar da população de cada país. Por outro lado, a ninguém está atribuída a função de fazer qualquer tipo de julgamento, estatístico ("objectivo") ou moral, quando à escolha que a família X fez quando entendeu gozar férias, digamos, nas Seychelles, ou a família Y quando optou por adquirir um Volkswagen novo e não um automóvel em 2ª mão no stand de usados da esquina, mesmo que à custa de endividamento.
Significa isto que a arbitrariedade geográfica sobre a qual se apuram défices ou superavits externos, por si só, nada diz quanto à real evolução do bem-estar da população de cada país. Por outro lado, a ninguém está atribuída a função de fazer qualquer tipo de julgamento, estatístico ("objectivo") ou moral, quando à escolha que a família X fez quando entendeu gozar férias, digamos, nas Seychelles, ou a família Y quando optou por adquirir um Volkswagen novo e não um automóvel em 2ª mão no stand de usados da esquina, mesmo que à custa de endividamento.
O gráfico seguinte, produzido pela UBS (União de Bancos Suíços) e que copiei daqui, evidencia a evolução acumulada do rendimento disponível das famílias, entre 2000-2010, por decis de rendimento. É fácil constatar (clicando na figura vê-se melhor) que o período imediatamente posterior à introdução do euro, afinal, beneficiou particularmente as famílias de países como a Grécia, Portugal ou a Espanha em que o poder de compra subiu substancialmente (e artificialmente). Por estranho que possa parecer, a Alemanha não aparece entre os beneficiados.
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Sucede que as famílias e as empresas portuguesas fizeram as suas escolhas, num quadro de abundância e extremo embaratecimento do crédito (via taxas de juro manipuladas pelo BCE, ou seja, via euro) e, sobretudo, impulsionadas pela profligacia do Estado português. Não vale a pena culpar os alemães.
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