quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Keynesianismo e aquecimento global - I

Ontem tentei aqui explicar sucintamente no que consiste a teoria económica keynesiana e qual a razão pela qual ela é adoptada, com entusiasmo, pela generalidade dos políticos. Se efectuar despesa pública é, por si só, algo de intrinsecamente bom (com o dinheiro dos outros, claro) que se dirá então quanto surge a oportunidade conjunta de contribuir para salvar a humanidade e, em simultâneo, "estimular" a economia, "criando" empregos? É nestas ocasiões que os  píncaros da insanidade governamental são mais facilmente atingidos.

Fazendo parte daqueles que, à força de subsídios de todo o tipo, quiseram - e continuam a querer - salvar o mundo do "aquecimento global", dedicámo-nos alegremente a espalhar ventoinhas e barragens dotadas de bombagem reversível pelo país fora, garantindo confortáveis rendas (através de preços garantidos) aos promotores. Em simultâneo, devido à intermitência das renováveis, também foi necessário instalar capacidade excedentária, através de centrais a gás, para acorrer aos períodos em que não há vento (nem água nas barragens). A certa altura, quando os políticos se dão conta que uma das consequências dessa insanidade seria o aumento brutal do custo de produção de energia eléctrica, criámos esquemas (não vejo outra palavra) para empurrar o problema com a barriga, em nome da "protecção" dos consumidores e das empresas! Nasceu assim, e assim continua, a monstruosidade do défice tarifário. Este governo praticamente nada fez neste domínio senão adiar e anunciar (vamos a ver se a realidade corresponde ao anúncio...) que não promoverá novas instalações de "renováveis" a preços garantidos acima dos de mercado.

Ninguém fica contente com os males dos outros sendo que com eles podemos nós bem. Mas é de facto verdade que o problema do défice tarifário espanhol é bem pior que o nosso e que o horror do solar espanhol só é suplantado pelo da Alemanha. Mas a loucura "aquecimentista" (um feliz termo que os nossos amigos brasileiros inventaram) atingiu limites tais que já nem a própria Alemanha os consegue sustentar. E quando é a Spiegel a pôr o dedo na ferida, sem rebuço, é sinal que a maré se apresta a mudar. Nesse sentido, parece-me útil partilhar com os leitores uma tradução em português do artigo de ontem, dia 10, com o título German Energy Plan Plagued by Lack of Progress. Como se trata de um artigo longo, deixo aqui a 1ª parte da tradução, ficando a promessa que a 2ª e 3ª partes virão logo a seguir.
Parte I

O ministro da Economia da Alemanha, Philipp Rösler, está de pé na sala da caldeira de uma casa geminada na cidade de Hönow, perto de Berlim. Não parece nada satisfeito com o que está vendo: um tubo de aquecimento que não está isolado. Que desperdício de dinheiro e energia!

A proprietária do edifício, Petra Röfke, de 54 anos, e o seu sócio Hartmut, de 58, parecem envergonhados. Mas o ministro tem alguns bons conselhos para lhes dar. A aplicação de um pouco de espuma de isolamento em volta do tubo permitiria poupar uma grande quantidade de energia, diz ele acrescentando: "Tenho o mesmo tipo de tubo em minha casa."

Na verdade, diz Rösler, ele não se importaria nada em ir de carro até à loja e cuidar ele próprio da questão, juntamente com a substituição das antigas e ineficientes lâmpadas que viu enquanto visitava a casa. Também não deixou de reparar na antiquada televisão de raios catódicos na sala de estar. "Há muito para fazer aqui", diz o ministro, dando ao casal o seu veredicto final.

Com o governo a provocar a subida do preço da electricidade, Rösler parece sentir uma necessidade de se tornar útil, dando conselhos sobre como poupar dinheiro e energia. Na segunda-feira, os operadores da rede de transporte de energia anunciaram um aumento significativo dos preços da electricidade na Alemanha, preços que já são os segundos mais altos na Europa.

O aumento dos preços é o resultado de uma "avaliação", nos termos da Lei das Energias Renováveis (EEG), de uma espécie de sobretaxa de solidariedade para com a energia verde que é automaticamente adicionada à factura de electricidade de todos os consumidores. Com o acordo alcançado na última ronda de negociações, dessa avaliação irá resultar o aumento da sobretaxa de 3,6 cêntimos para 5,4 cêntimos por kilowatt-hora.

Com as novas tarifas, os cidadãos alemães irão pagar no próximo ano um total de mais de 20 mil milhões de euros (25,7 mil milhões de dólares) para promover a energia renovável. Isto é mais do que 175 euros para um agregado familiar médio de três pessoas, um aumento de 50% relativamente aos valores actuais. E depois há os custos adicionais que um consumidor paga como o imposto sobre a electricidade, a "avaliação" de cogeração, a tarifa de concessão e o imposto sobre o valor acrescentado.

Este desenvolvimento é um embaraço para o governo alemão de coligação, composto pela União Democrata Cristã (CDU) do centro-direita, da chanceler Angela Merkel, pelo seu partido irmão da Baviera, a União Social Cristã (CSU) e pelo Partido Democrático Liberal (FDP) tido por favorável ao desenvolvimento dos negócios das empresas. Nos últimos meses, o governo tem negado as alegações de que a transição gradual para a energia verde poderia custar aos cidadãos alemães uma montanha de dinheiro.


PROMESSAS QUEBRADAS

Num comunicado emitido pelo governo de Junho de 2011, a chanceler Angela Merkel prometeu que os preços permaneceriam estáveis. "A avaliação do EEG não deve aumentar acima de seu nível actual", disse ela ao parlamento alemão, o Bundestag. Rösler, o ministro da Economia, disse que poderia mesmo haver "espaço para reduções." Os ministros do Ambiente, primeiro Norbert Röttgen e depois Peter Altmaier, comportaram-se como se a eliminação da energia nuclear na Alemanha nada fosse custar, ao mesmo tempo que entregavam milhares de milhões em subsídios para os proprietários de casas com painéis solares e operadores de parques eólicos.

Merkel deve lidar agora com as consequências da sua afirmação de que a reviravolta na política energética seria o projecto mais importante do país durante a legislatura. Poucas horas após a catástrofe do reactor nuclear de Fukushima, em Março de 2011, ela transformou-se de uma defensora numa adversária da energia nuclear. À época, a maioria dos alemães apoiou a chanceler. Mas agora, mais de um ano depois, estão perdendo a confiança na sua capacidade para tomar as opções adequadas. O político alemão e Comissário para a Energia da UE, Günther Oettinger, diz que duvida "que os consumidores alemães venham a aceitar o aumento dos preços da electricidade resultantes da reviravolta energética no longo prazo."

O custo crescente da electricidade é também um fardo sobre as empresas. De acordo com Oettinger, os custos de energia representam hoje o maior obstáculo para a Alemanha como um lugar para fazer negócios, especialmente em função do aumento acentuado no número de apagões e oscilações de tensão na rede eléctrica.

Os defensores dos consumidores vêem o preço da electricidade como uma questão social, não muito diferente da do preço do pão na antiga Roma. O Paritätischer Gesamtverband, uma associação que abrange grupos sociais promotores do bem-estar, estima que cerca de 200 mil beneficiários de prestações sociais no âmbito do programa de reforma social Hartz IV, para os desempregados de longa duração, viram a sua electricidade cortada no ano passado devido ao não pagamento das facturas. O VDK, a maior organização de solidariedade social da Alemanha, utiliza o termo "pobreza de electricidade" e é fortemente crítica do que vê como uma "violação flagrante dos direitos sociais básicos". De acordo com o VDK, é injusto que os cidadãos estejam a ser "convidados" a suportar grande parte do fardo dos custos e riscos associados à mudança radical da política energética.

Nesta quarta-feira, o ministro do Ambiente, Altmaier, planeia revelar uma proposta para avançar com legislação destinada a promover a energia verde. Membros do Bundestag da coligação no poder querem dispensar um número crescente de empresas do cumprimento da "avaliação" da energia verde. O líder parlamentar do FDP, Rainer Brüderle, está pedindo uma moratória quando à instalação de novos painéis solares em coberturas e de turbinas eólicas. Enquanto isso, o Partido Social Democrata (SPD), de centro-esquerda, e o Partido dos Verdes estão discutindo a possibilidade de os fornecedores de energia serem obrigados a oferecer tarifas especiais para os consumidores de baixos rendimentos. O ministro da Economia, Rösler, cuja visita a uma sala de caldeira em Hönow marcou o início de uma nova campanha promocional, quer incentivar os cidadãos a poupar energia.

A questão central em tudo isso é saber se o dinheiro que provém dos consumidores de electricidade está a ser gasto com sabedoria. Se o governo federal quer ter todas as centrais nucleares da Alemanha descontinuadas até 2022, por que está fazendo tão pouco para garantir que o projecto venha a ser bem-sucedido?

Milhares de milhões estão sendo gastos na expansão desenfreada da energia solar - a tecnologia que menos contribui para um fornecimento fiável de energia na Alemanha, que não é exactamente famosa pelo sol abundante. Os comparativamente eficientes programas de renovação dos edificados, por outro lado, chegaram a um impasse porque os governos federal e estaduais a têm vindo a disputar o seu financiamento há mais de um ano. Há muito pouca capacidade de armazenagem para servir de amortecedor ao fornecimento irregular de energia eólica e solar. Além disso, não há centrais convencionais de substituição [de socorro] em construção. Na verdade, as companhias produtoras de energia estão ponderando o fecho das centrais existentes.

UMA MACIÇA DESORDEM

Em vez de acordarem num conceito para a mudança radical da política energética, os partidos da coligação governamental estão discutindo sobre quem é responsável pelo programa. O ministro da Economia, Rösler, do FDP, está reivindicando a expansão da rede. O ministro do Ambiente, Altmaier, da CDU, vê-se como sendo o responsável pelos projectos de energias renováveis - como se as duas coisas pudessem funcionar uma sem a outra. E depois há o ministro dos Transportes, Peter Ramsauer (CSU), encarregado do planeamento de instalações, o ministro de Pesquisa Annette Schavan (CDU) liderando os esforços tecnológicos de armazenamento [de energia], e o ministro da Agricultura, Ilse Aigner (CSU), cuidando das matérias ligadas aos biocombustíveis. A vaidade e a representação proporcional são também factores em todo este quadro.

Enquanto isto, os 16 estados federais da Alemanha estão desenvolvendo os seus próprios conceitos, alguns dos quais contrariam outros. O governador da Baviera, Horst Seehofer, diz que o seu estado planeia desenvolver uma fonte de energia auto-suficiente. Mas David McAllister, o governador do estado do norte da Baixa Saxónia, tem um plano que se baseia no fornecimento à Baviera de grandes quantidades de electricidade, a partir de centrais eólicas ao largo da costa do Mar do Norte.

O que alguns dos operadores da rede, proprietários de centrais eléctricas e cientistas estão fazendo hoje é nada menos que espantoso. Há centrais que não estão ligadas à rede, postes sem linhas de transmissão, e linhas de transporte de energia que levam a lugar nenhum.

"Ainda há muito para fazer aqui", disse Rösler, quando saiu da sala de caldeira em Hönow. Petra Röfke, o proprietário, anuiu. Rösler acrescentou que não teria conseguido imaginar tanto desperdício. "É uma loucura, não é?"

1 comentário:

Anónimo disse...

Tenho-me questionado porque "raio" não usam como amortecedor energético, a produção de hidrogénio !!!!
Se calhar, até podia ser um bom princípio para começarem de uma vez por todas a criarem carros movidos a hidrogénio e acabarem com essa "palhaçada" dos carros hibridos.