Já tinha pensado em publicar uma tradução do texto que Matt Ridley assinou na sua coluna regular no Times londrino, no passado dia 26 de Setembro - "Cheap energy or green energy - you cannot have both". Esta notícia de ontem convenceu-me que havia utilidade em fazê-lo. É uma história dolorosamente parecida com a nossa aquela que Ridley conta relativamente ao Reino Unido, ilustrando na perfeição o conúbio, que tantas vezes aqui tenho referido, entre os governos e os interesses especiais, no caso as empresas do sector energético. Apesar da propaganda, as "rendas excessivas" não nasceram do céu; antes foram proporcionadas, propositadamente, pelos governos às empresas que Henrique Neto apontava como pertencendo ao "regime". Vale a pena ler Matt Ridley para melhor ficar a perceber a mecânica da coisa e ilustrar o que é o crony capitalism.
A hipocrisia pode ser uma coisa fantástica quando bem feita. Passar, como sucedeu com Ed Miliband, em quatro anos, do ministro que insistia em que os preços da energia deviam subir - de modo a que os não-competitivos produtores de energia verde pudessem ser atraídos para o fornecimento de electricidade - para passar a ser o líder da oposição que defende o congelamento dos preços da energia é uma dupla pirueta de tal ordem que faria inveja a Torvill e Dean [famoso par inglês de patinagem artística no gelo nos finais nos anos do séc. XX].
Recorde-se que este é o próprio arquitecto da nossa actual política energética, o homem que manobrou a suicidariamente dispendiosa Lei das Alterações Climáticas através do parlamento; o homem que ainda esta semana se comprometeu a descarbonizar toda a economia britânica (não apenas o sector eléctrico) em 2030, o que significa que não será permitido a ninguém que aqueça a sua casa usando gás.
Terá ele comparado, recentemente, o preço do aquecimento eléctrico com o do aquecimento a gás? A diferença tenderá a crescer cada vez mais. Em 2030, grande parte da electricidade virá, em teoria, das eólicas offshore, a quem está prometido um preço três vezes maior do que é pago às centrais a gás na produção de electricidade. Assim, Miliband está a dizer-nos para triplicar, e congelar, as nossas facturas de aquecimento ao mesmo tempo.
"Não existe um futuro com energia de baixo custo", afirmou Miliband enquanto Secretário de Energia, em Julho de 2009, insistindo para que aprendêssemos a viver com preços da energia mais elevados. "Podemos trabalhar juntos a partir deste congelamento de preços para fazer funcionar o mercado no futuro. Ou podemos reforçar na opinião pública a ideia que vós sois parte do problema e não da solução", palavras de Miliband, o líder da oposição, ameaçando ontem [25 de Setembro de 2012] as empresas produtoras de energia eléctrica.
Num presciente parágrafo intitulado "E adivinhem quem vai levar um tiro?", um relatório de Abril do Liberum Capital [um banco de investimentos], sugeria que quando a crise do preço da energia chegasse, o governo da altura iria fazer recair a maior parte da dor financeira nos investidores insistindo para que estes cortassem nos seus lucros. Esse dia chegou, bem cedo. Miliband efectivamente admitiu que tentará eliminar o [ou pelo menos parte do] retorno dos investidores sobre o capital em vez de assumir quaisquer culpas pelas enormes facturas que irão conduzir as pessoas à pobreza energética.
O Liberum estimou que para concretizar a actual política energética do Governo de baixo carbono, que os trabalhistas pensam ser muito tímida, seria necessário despender 161 mil milhões de libras até 2020 e algo como 376 mil milhões de libras até 2030. O que será "passado" aos consumidores [i.e, irá aumentar-lhes a factura energética]. Muita da discussão sobre o projecto de lei da Energia, que teve lugar este Verão na Câmara dos Lordes, incidiu sobre a forma de assegurar que os subsídios fossem suficientemente generosos para atrair um tão grande investimento. O Liberum calculou que "se o investimento não ocorrer [em eficiência energética das habitações, por exemplo] iremos assistir ao aumento das facturas de electricidade em pelo menos 30% até 2020 e em 100% até 2030, em termos reais".
Miliband pode ter garantido que tal não venha a suceder. Nunca houve um sistema de controlo de preços que não fizesse diminuir a oferta. Nos Estados Unidos, os controlos de preços sobre o gás natural, instituídos na década de 1950 no pressuposto de que os stocks eram limitados e destinados a proteger os consumidores de preços de monopólio, acabaram por provocar situações de escassez e preços elevados. Ninguém queria fazer prospecção de gás caso o preço fosse fixado pelo governo. Depois de os controlos terem terminado, em 1989, a América foi inundada com gás natural e os preços caíram drasticamente.
Imagine o leitor que está na pele de uma grande empresa de fornecimento de energia que se interroga se deve ou não despender milhões despejando cimento no Dogger Bank [zona de terrenos arenosos no Mar do Norte] para suportar o peso de turbinas eólicas. O leitor pensa que há uma probabilidade de 50% de existir um governo Miliband em 2015, quando as turbinas entrarem em funcionamento. Mas o leitor acabou de ouvir que o primeiro-ministro Miliband não o irá deixar obter lucro. Vai então reduzir agora os seus planos. "Se a Centrica e a SSE [duas grandes empresas do sector energético britânico] não conseguem fazer dinheiro a fornecer electricidade para o mercado de retalho, então elas não irão fornecê-la. As luzes irão apagar-se", afirmou Neil Woodford, o director do mercado de acções na Invesco Perpetual, um dos maiores accionistas da Centrica. E ele tem os meios para fazer com que tal aconteça.
Que não se vertam lágrimas pelas empresas de energia. Elas pactuaram com o plano crony capitalist do aumento dos custos, proclamando banalidades verdes que lhes deram cobertura para os aumentos de preços. Enquanto isso, o custo crescente do petróleo e do gás deu ao Governo a desculpa para argumentar que os preços subiriam em qualquer caso. Eles estão a contar com mais aumentos no futuro, mas podem vir a não ter tanta sorte assim caso a revolução do xisto [shale revolution] ganhe ritmo.
Num sistema subsidiado, o político torna-se no cliente. As empresas pensaram que tudo o que tinham que fazer para realizar lucros era atender o telefone do ministro da Energia, suspirar e dizer-lhe que não iriam construir um parque eólico a menos que ele subisse o preço garantido. E foi assim que se chegou aos inacreditáveis £150 libras/MWh. Com o encerramento, adiantado face ao planeado, das centrais nucleares e de carvão na Grã-Bretanha, e o atraso de cerca de três anos na abertura de centrais substitutas, verdes e nucleares, o ministro estava ao serviço dessas empresas.
Agora, de repente, elas irão compreender que deveriam ter escutado desde o inicio os seus clientes reais e serem os campeões da defesa da energia barata. Talvez até mesmo os ministros venham a pensar do mesmo modo. Se isso vier a acontecer, haverá uma luz ao fundo do túnel. Isto até pode fazer rasgar o consenso manso sobre a política energética que até agora acompanhou o actual projecto de lei da Energia no Parlamento. Afinal de contas, o público irá ficar com a impressão que Miliband está a defender os consumidores, ainda que contra o inimigo errado. David Cameron precisa flanqueá-lo ou arriscará parecer-se com um amigo dos cronies.
Por todo o mundo, governos atrás de governos distanciam-se do dispendioso fiasco que é a descarbonização da energia. Stephen Harper, do Canadá, liderou o caminho. Tony Abbott, da Austrália, está a enveredar pela mesma rota. A Espanha renegou as suas promessas aos investidores verdes. Até mesmo Angela Merkel, agora a liderar um parlamento amplamente verde-livre, está a ser instada pelo principal conselheiro económico de que a gigantesca despesa da verde "Energiewende" ["transição energética"] é incomportável. Ela já está a construir novas centrais termoeléctricas a carvão. (A propósito, quero declarar um interesse comercial no carvão.)
Quando chegou ao poder, Cameron pensou que a política energética não era muito importante e que poderia ser "contratada" em segurança ao wishful thinking dos Lib Dem para proteger o seu flanco ecológico. Na verdade, a energia a preços acessíveis é crucial para a recuperação económica (...)
5 comentários:
Ter energia barata e verde (seja lá o que isso for) é possível. Dito de outra forma energia barata sem recurso a combustíveis fósseis. A hidroeléctrica para os países que têm esses recursos é uma forma de produzir energia limpa de forma barata barata.
E claro o nuclear. É verdade que as novas formas de exploração não convencional de combustríveis fósseis vieram ameaçar a competitividade económica do nuclerar. Mas acredito que se houvesse liberdade em muitos países para as empresas construirem centrais nucleares o seu custo diminuiria.
Ainda que não seja contabilizado, para além do custo per se das renováveis intermitentes (eólica e solar) existe outros custos devido à sua intermitência que faz destas fontes alternativas inviáveis aos conbustíveis fósseis, hidro ou nuclear.
O custo é o menor problema das intermitentes. O grande problema é que isoladamente não são viáveis tecnicamente. É como fabricar rodas quadradas para os carros. Os carros precisavam de ser apmplamente modificados para as usar.
"...crony capitalism...."!
Que tal um pouco de:
"...crony judiciarismo...."?
http://www.nytimes.com/2013/10/03/us/snowdens-e-mail-provider-discusses-pressure-from-fbi-to-disclose-data.html?ref=technology&_r=0
Caro JS,
E que bela dose...
chamo a atençao para dois aspectos que noto menos certo - a energia verde vai ser sustentavel não com opçoes de investir muito em aumentar o rendimento em um bem gratuito em 1 ou 2% -sol/vento, como tem levado a falencia de muitas que seguiram por aí. Nas republicas das corporações como cá sentam-se a volta do tacho publico com os jotinhas e escravizam os contribuintes não correndo o risco de falir já.
incluir o nuclear na energia barata é um pouco duvidoso. fazendo um exercicio de acrescentar ao preço da de Fukushima todas as despesas e rendas que devem ser pagas algumas por 40 anos? de impossibilidade de uso de enormes espaços-estradas,escolas,fabricas.. talvez nem levando a Tepco a falencia pagariamos os "custos" da tal energia barata. Chernobyl ainda nem falar o que já custou e vai custar.
Se contabilizarmos os custos como despesas comuns da comunidade estamos a falsear as contas e se insistirmos na hipocrisia de levar o debate para o perigoso fazendo do publico tolo ainda menos objectivos somos (na UE morrem nas estradas 98 000 automobilistas por ANO e ninguem tem a lata de vir propor acabar com o uso dos carros)
Energia Limpa
Muammer Yildiz Magnet Motor
http://peswiki.com/index.php/Directory:Muammer_Yildiz_Magnet_Motor
Enviar um comentário