O texto abaixo é uma tradução minha do artigo de Nicolás Cachanosky, "Economies are Not Destroyed in a Day" (de onde roubei o título para o post), publicado ontem no Mises Institute. Originalmente escrito em língua espanhola e ainda que direccionado ao público argentino, porque nele se inspeccionam conceitos comummente invocados no linguajar comunicacional de hoje (entre outros, "crescimento económico", "recuperação económica", "capacidade de produção", etc.), creio que a sua leitura também permite lançar luz sobre a leitura da evolução verificada na realidade económica portuguesa. Em particular, indicando razões para o medíocre crescimento económico verificado na década passada apesar dos elevados níveis de investimento.
"No começo deste mês, o principal jornal conservador da Argentina, La Nación, publicou um editorial não assinado comparando a economia da Argentina à da Venezuela. A publicação concluiu que à medida que a liberdade económica na Argentina diminui, e que prossegue a adopção do que Chávez designou por "socialismo do século XXI", a Argentina está cada vez mais parecida com a Venezuela. Será isto verdade? Irá a Argentina sofrer o mesmo destino que a Venezuela, onde a pobreza está a aumentar e o papel higiénico pode ser considerado um luxo?
As semelhanças das regulamentações e problemas económicos que ambos os países enfrentam são realmente impressionantes, apesar das diferenças óbvias entre os dois países. No entanto, quando as pessoas são confrontadas com as semelhanças, é comum ouvir respostas como "mas a Argentina não é a Venezuela, temos mais infra-estruturas e recursos".
São as transformações institucionais, no entanto, que definem o destino a longo prazo de um país, não a sua prosperidade no curto prazo.
Imaginemos que Cuba e a Coreia do Norte se tornavam, de um dia para o outro, nos dois países que em todo o mundo mais defendiam o livre mercado e a intervenção estatal limitada. Os dois países alcançariam de imediato as liberdades civis e a liberdade económica, mas teriam ainda que acumular riqueza e desenvolver as suas economias. A mudança institucional afecta imediatamente a situação política, mas uma nova economia exige tempo para que possa ganhar forma. Por exemplo, quando a China abriu partes da sua economia aos mercados internacionais, o país começou a crescer, e estamos agora a assistir aos efeitos de décadas de relativa liberalização económica. É verdade que em muitas áreas na China continuam em falta liberdades significativas, mas hoje haveria uma China muito diferente caso [o governo chinês] se tivesse recusado a mudar as suas instituições há décadas atrás.
O mesmo ocorreria se um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo adoptasse as instituições cubanas ou norte-coreanas de um dia para o outro. A riqueza e o capital não se desvaneceriam em 24 horas. O país iria passar de um processo de acumulação de capital para um processo de consumo de capital e poderia levar anos ou até mesmo décadas a esgotar os cofres da riqueza anteriormente acumulada. No interim, o governo teria os recursos para jogar o jogo do socialismo populista bolivariano (i.e., venezuelano) e desfrutar da riqueza, das estradas, da infra-estrutura eléctrica e das redes de telecomunicações que foram o resultado das realidades institucionais do passado, mais orientadas à economia de mercado.
De acordo com o Índice de Liberdade Económica no Mundo do Instituto Fraser, a Argentina ocupava o 34º lugar no ano de 2000. Em 2011, no entanto, a Argentina caíra para 137º, ao lado de países como o Equador, o Mali, a China, o Nepal, o Gabão e Moçambique. Não há nenhuma dúvida de que a Argentina desfruta de maior desenvolvimento e riqueza do que aqueles outros países. Mas poderemos continuar a ter a certeza de que essa será a situação daqui a 20 ou 30 anos? A presidente argentina é conhecida por ter afirmado que gostaria de tornar a Argentina num país parecido com a Alemanha, mas o caminho para se tornar numa Suíça ou numa Alemanha implica a adopção de instituições do tipo das suíças e das alemãs, que não é o que a Argentina está a fazer.
A adopção de instituições venezuelanas na Argentina ocorreu a par [do registo] de elevadas taxas de crescimento. Estas taxas de crescimento, porém, são enganadoras:
Em primeiro lugar, e em rigor, o crescimento económico não é um aumento da "produção", mas sim um aumento da "capacidade de produção". O crescimento observado no PIB, após uma grande crise, se devidamente compreendido, corresponde a recuperação económica e não a crescimento económico.
Em segundo lugar, é possível aumentar a capacidade de produção através do investimento em actividades económicas erradas. Uma vincada regulação de preços, como a que ocorre na Argentina (agora acompanhada de altas taxas de inflação), distorce a alocação de recursos pelo facto de afectar os preços relativos. Podemos ser capazes de ver e até de tocar no novo investimento, mas esse capital é o resultado de uma ilusão monetária. O conceito económico de capital não depende da tangibilidade ou do volume do investimento (ou seja, das suas propriedades físicas), mas do seu valor económico. Quando chega o momento de os preços relativos se ajustarem para reflectir as reais preferências dos consumidores e o valor de mercado dos bens de capital cai, o capital é consumido ou destruído em termos económicos, mesmo que as qualidades físicas dos bens de capital permaneçam inalteradas.
Em terceiro lugar, a produção pode aumentar não porque o investimento aumente mas pelo facto de as pessoas estarem a consumir capital investido, como sucede quando há um aumento no ritmo de desgaste das máquinas e da infra-estrutura.
Não estou a dizer que não haja crescimento genuíno na Argentina, mas o que é um facto é que uma parte não trivial do crescimento do PIB argentino pode ser explicado por: (1) recuperação, (2) mau direccionamento do investimento, e (3) consumo de capital. Se esse não fosse o caso, a criação de emprego não teria estagnado e a infra-estrutura do país estaria a florescer em vez de estar a cair aos pedaços.
A maioria dos economistas e analistas políticos parece ter uma leitura superficial das variáveis económicas. Se uma economia estiver saudável, então as variáveis económicas parecem boas, o PIB cresce, e a inflação é baixa. Mas o facto de observarmos bons indicadores económicos não significa que a economia esteja saudável. Há uma razão pela qual o médico solicita exames a um paciente que aparenta estar bem. Sentir-se bem não significa que não possa haver uma doença que de momento não apresenta sintomas óbvios. O economista que recuse observar um olhar mais atento para perceber porque cresce o PIB é como um médico que se recusa a ter um olhar mais atento para com o seu paciente. O paciente argentino apanhou a doença bolivariana, mas os sintomas mais dolorosos ainda não vieram à tona."
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