Julgo estarem a alvo de uma perigosa ilusão (que irá provavelmente vir a pagar-se bem cara) aqueles que rejubilam com o que se anuncia - Parlamento cipriota recusa taxa sobre depósitos - preferindo esquecer o que esteve (ainda está?) para acontecer. Algum dos problemas estruturais foi resolvido? Sequer endereçado? Não, tudo continua essencialmente na mesma. Como alguém dizia, com graça, todos "querem emagrecer sem fazer dieta". Por isso, a contra-corrente, parece-me útil divulgar o que me parece ser um excelente texto de Jeffrey Tucker ("None Dare Call It Theft") onde se sublinha que cada um de nós deve retirar lições permanentes do que ocorreu (ou esteve para ocorrer, ou apenas foi adiado ou ainda, de forma mais pérfida, simplesmente substituída por opções ainda piores embora talvez mais subtis). E essas lições têm directamente a ver com a gestão próxima das poupanças de cada um o que melhor se compreende se nos aproximarmos da verdadeira natureza do sistema bancário em que vivemos desde que se abandonaram os últimos vestígios do padrão-ouro. (Peço alguma indulgência para a tradução, algo livre, da minha responsabilidade).
As euro-elites não o designam por furto ou roubo ou mesmo por um imposto, muito menos e sem rodeios, um default por parte dos bancos cipriotas. Eles estão falando de uma "taxa de estabilidade", um plano que poderá levar não à estabilidade mas a um colapso, num efeito dominó, do sistema bancário na Europa.
Fiel à natureza da propaganda governamental, o chefe de Estado cipriota, Nicos Anastasiades, diz que esta "taxa de estabilidade" é necessária para evitar "um colapso completo do sector bancário". É exactamente o mesmo tipo de linguagem que ouvimos no Outono de 2008 - uma táctica de intimidação usada para fazer aprovar de sopetão [e sem escrutínio] o TARP [link] e os intermináveis resgates subsequentes.
Mais provavelmente, o plano de tributar todos os depósitos bancários no Chipre, de 6,75 a 10%, desencadeará um colapso. Ou talvez apenas a sua simples menção já o tenha feito. Não podemos saber com certeza porque o governo de Chipre declarou um feriado bancário, um termo que significa que os ladrões tiram umas férias para não serem responsabilizados pelas suas acções.
O que este plano sinaliza é bastante claro: o seu dinheiro não está no banco. Se você lá chegar depressa e retirar o que puder, talvez consiga sobreviver. Se se atrasar, ficará totalmente desprotegido. Significa isto uma corrida aos bancos à moda antiga - a prova última quanto à solidez do sistema bancário.
Outra maneira de olhar para isto: trata-se de um jogo da dança das cadeiras e a música acabou de parar. O objectivo do "feriado" é atordoar as pessoas para que elas não consigam encontrar a sua cadeira.
O imposto é parte de um resgate de 10 mil milhões de dólares organizado pelos países da zona euro, juntamente com o FMI. Até agora, durante o longo, lento e imparável desmoronamento dos sistemas bancários do mundo ao longo dos últimas décadas, a ideia do confisco puro e duro tem sido algo que os governos em geral têm tentado evitar.
Acontece que as pessoas não gostam de ser roubadas. Elas normalmente gostam de pensar que o dinheiro que colocaram no banco lhes está acessível. Assim, quando Anastasiades exigiu isto, ele foi alvo de um repúdio maciço dos membros do parlamento e dos depositantes.
Enquanto isso, as pessoas estavam lutando para conseguir retirar dinheiro das máquinas ATM ["Multibanco"] e transferir electronicamente dinheiro para locais mais seguros. Foi quando a desagradável surpresa chegou: as contas estavam bloqueadas e as transferências interrompidas. As caixas automáticas foram dadas como estando "em funcionamento interrompido".
Enquanto escrevo, os parlamentares recusaram a proposta de saquear absolutamente todos de igual forma para em vez disso concentrarem os efeitos mais intensos do assalto somente nos muito ricos. Isso pode torná-lo mais tragável aos legisladores, mas não mais para a população em geral. Os políticos podem prometer que este é um "uma taxa irrepetível" e que é tudo o que pretendem, mas quem acreditar nisso é um total idiota . Os cidadãos podem ser muito tontos em acreditar nas promessas políticas em geral, mas quando se trata do seu próprio dinheiro nos bancos, há certamente limites para a sua ingenuidade.
Os americanos podem ser perdoados por terem passado a maior parte do seu fim-de-semana ignorando as notícias de Chipre, um país de que a última vez que ouviram falar foi quando estudaram as civilizações antigas na escola. Um amigo meu de Chipre, que vive nos EUA, há muito tempo que desistiu de tentar explicar de onde é natural e está agora satisfeito por dizer às pessoas que é oriundo da Grécia.
Na verdade, o Chipre é um dos países mais prósperos do mundo, principalmente devido ao seu estatuto de centro financeiro mundial. Como Doug French me disse: "Este é um banco com um país em anexo."
A sua população é na sua maioria formada por turistas e flutua de acordo com a saison. Mas a sua prosperidade nos últimos 20 anos é devida principalmente aos depósitos que tem recebido de toda a região [geograficamente] envolvente, muito em especial da Rússia. É por isso que Vladimir Putin se envolveu na actual controvérsia, denunciando-a como injusta e insensata.
O problema é que o Chipre necessita de recolher o dinheiro [necessário para acorrer à amortizar de empréstimos significativos no Verão próximo]. E ele tem que vir de algum lugar. O problema central é que esta proposta, especialmente a ideia de tributar os depósitos cujo montante está abaixo do limite máximo do seguro de depósito, mina a coisa fugidia, elusiva, mas absolutamente essencial, que designamos por confiança.
Se as pessoas já não acreditam no sistema e desencadeiam uma corrida aos bancos, todo o edifício pode desfazer-se muito rapidamente. Na maioria dos países, hoje, existe um seguro de depósito que oferece a ilusão de que os depósitos das pessoas estão salvaguardados. A coisa notável sobre a "taxa de segurança" é que ela equivale a um anúncio público de que não há garantia alguma de que o dinheiro tenha de vir de algum lugar, pelo que é natural que [os depositantes] comecem pelo local mais óbvio.
Houve um tempo em que os bancos operavam como empresas normais, prestando um serviço mediante um pagamento, claramente diferenciando que parte dos depósitos das pessoas apresentava risco (e, como tal, era-lhe devida um prémio) e aquela outra que respeitava à segurança (e, portanto, sujeita a um pagamento desse serviço [de guarda, de custódia]). Mas o sistema da banca central e do dinheiro fiat [fiduciário] confundiram a questão beneficiando o sistema financeiro em desfavor dos depositantes, especialmente quando confrontados com um momento de crise como este.
Ainda assim, é uma acção sem precedentes que nos transportar aos dias do início do New Deal, quando FDR [Franklin Delano Roosevelt] fechou os bancos, suspendeu o padrão-ouro e alterou de uma penada a definição do dólar [um dado peso em ouro] com a finalidade de salvar o sistema bancário. Não é suposto que este tipo de aconteça nos nossos dias. Os banqueiros são supostos ser mais sábios e sofisticados recorrendo à utilização de ferramentas elaboradas de política monetária para escorar [!] continuamente a confiança no sistema.
A sugestão de que o sistema bancário possa de um momento para o outro roubar o dinheiro das pessoas - mesmo que tal não venha a passar no parlamento [cipriota] - alterou radicalmente a psicologia do sistema bancário de toda a zona euro. Ao longo das próximas semanas, espanhóis, italianos, russos e muitos outros por toda a região, vão discretamente (ou talvez não tão silenciosamente) ser testados, levantando os seus depósitos e encontrando outras maneiras para proteger as suas poupanças.
Por todo o mundo os banqueiros centrais têm um pavor: o contágio. Tal significa a propagação da verdade e a tomada de acções baseadas nessa verdade. Poderá o Chipre ser a nova bolha que impluda o mundo? É uma boa altura para revisitar o clássico do nosso amigo Garet Garrett, de 1932, que mantém todo o seu poder explicativo: A Bubble That Broke the World.
Para os reguladores bancários e para os políticos, isto equivale na realidade a um falhanço épico, mesmo do seu próprio ponto de vista. Eles tudo fazem para que o verniz da estabilidade e da solidez nunca desapareça. Pretendem uma população de depositantes abençoadamente inconscientes da vulnerabilidade dos sistemas monetários e financeiros.
Poderá o leitor perguntar: "se você é tão inteligente, o que é que sugere?" É fácil a resposta: default e falência.
Ao contrário da sabedoria convencional, o caso do Lehman Brothers [link] não é um modelo a evitar, mas sim a seguir. Deixem que os bancos cipriotas que estão sob ameaça morram de uma morte rápida, mesmo que isso signifique não pagar àqueles que acreditam que algo lhes seja devido. Sob estas condições, há responsabilização e lições a aprender de modo permanente.
Esta abordagem - longínqua, sim, e com zero por cento de hipóteses de realmente acontecer - poderia de facto restaurar práticas bancárias sãs . Basta imaginar um mundo em que os bancos operam como negócios honestos, solventes e auto-suficientes, sem recorrer à mentira e sem oscilar à beira do abismo, não dependendo do governo e dos políticos e das autoridades centrais. Parece um sonho, mas podemos lá chegar através de um passo simples: permitindo que a falência ocorra.
Mas será que essa abordagem poderia desencadear um colapso à escala da zona euro? Talvez. Mas tal parece ser algo que vai acontecer com ou sem esta "taxa excepcional de estabilidade".
Enquanto isso, os bancos estão fechados. Ninguém na zona euro está dormindo bem à noite. E vai ser uma semana selvagem.
A crise do euro, por si só, pode explicar por que a Bitcoin [link] passou de uma cotação de 15 a 48 dólares em três meses. É possível que os maiores depositantes da Rússia tenham antecipado este acontecimento e tenham lentamente movimentado o seu dinheiro para o paraíso do cofre digital? Nunca iremos saber, porque as transacções (graças a Deus) são anónimas. Mas faça a si mesmo a seguinte pergunta: onde gostaria de ter o seu dinheiro? Em Bitcoin ou em depósitos garantidos em Chipre?
Jeffrey Tucker
2 comentários:
Mais uma vez, ***** (5) estrelas.
Ps- A procissão Bitcoin ainda vai no adro.
Tal como no caso dos "banco de tempo", as Autoridades Fiscais -Governos- como irão actuar?.
Caro JS,
Sim, também me parece que a procissão Bitcoin ainda não tenha saído do adro. Mas também creio que, quando sair, será uma procissão das antigas (das que recordo de miúdo) no tocante ao número de acompanhantes. De resto, quando é o próprio BCE que lhe dedica uma brochura (à Bitcoin e outras moedas virtuais) a coisa parece-lhes séria....
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