segunda-feira, 23 de abril de 2012

Desassombro e independência

O primeiro contacto que me recordo de ter tido com a figura de Miguel Cadilhe passou pelo recurso que fiz, já na universidade, a escritos seus no domínio da matemática financeira1. Por essa altura, creio que a única informação(?) que dele tinha era a fama que lhe advinha da elevadíssima taxa de reprovações com que brindava os seus alunos na universidade do Porto. Depois, claro, vem a sua nomeação para ministro das Finanças dos dois primeiros governos de Cavaco Silva e o seu abandono precoce (foi substituído por Miguel Beleza), em desacordo (ao tempo, de modo algo discreto) com o primeiro-ministro.

Cadilhe é um personagem desassombrado e, creio, ao longo de quase 30 anos de exposição pública, tem manifestado, como poucos, uma independência de pensamento assinalável, mesmo quando faz propostas, a meu ver, totalmente inaceitáveis. Recordo-me, por exemplo, da ideia que expôs de utilização das reservas de ouro para financiar rescisões de funcionários públicos por mútuo acordo e assim reduzir estruturalmente a despesa pública. Quer num caso como noutro se espelha a ideia de utilização das políticas one shot com o intuito de produzir resultados significativos num prazo curto.

Hoje, numa muito interessante entrevista ao Público ao i, Cadilhe é, como sempre directo: dois exemplos:
Sobre a adesão ao euro:

"[Foi] um erro estrutural... a opção política de entrar na união monetária e na moeda única(...) O erro histórico... foi a desproporção entre a moeda única e a nossa estrutura produtiva. (...) Avisei que, com a moeda única, iríamos ter mais défices externos, menos PIB efectivo, menos PIB potencial, menos emprego. Chamaram-me eurocéptico e outros mimos que me colocavam a nadar contra-a-corrente."

Sobre o BPN e respondendo à pergunta "O pior negócio para oso contribuintes chama-se BIC?", Cadilhe responde, retomando anteriores declarações:

"Não. Chama-se nacionalização. Ou se quiser, chama-se Sócrates, Teixeira dos Santos, Constâncio, a brilhante trindade que contemplou a coisa e contemporizou durante anos, agitou-se e assustou-se connosco no Verão de 2008, negou-se então a assumir o erro das omissões ou cumplicidades passadas, alegou um absurdo risco sistémico, decretou apagar todos os pecados, e nacionalizou. Um erro calamitoso."
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1Engraçado que, bem mais de 30 anos passados, tenha voltado às suas sebentas para dar uma ajuda aos meus filhos, já universitários.

2 comentários:

Contra.facção disse...

Sobre a adesão ao euro e logo após a sua saída do governo, ouvi pessoalmente (sou amigo de Miguel Cadilhe) vaticinar, em público, tudo o que se veio a passar e o que mais virá.

Eduardo Freitas disse...

Caro Miguel Loureiro,

É minha convicção que Miguel Cadilhe, quando decidir escrever as suas memórias, terá muito que contar. Estarei entre os seus leitores.