quarta-feira, 6 de março de 2013

O primado da irresponsabilidade financeira do Estado

Imagem retirada daqui

Se não estou em erro, pelo menos desde o eclodir da crise da dívida soberana portuguesa, creio ter sido Mário Soares quem primeiro manifestou a sua (profunda) indignação contra "a dependência intolerável da política, em relação à economia - e não, ao contrário, como sempre sucedeu, até à vitória do neoliberalismo" (meu itálico), em artigo no DN, curiosamente em vésperas do pedido de ajuda financeira por parte do governo Sócrates para evitar a cessação do pagamento de salários, pensões, etc.

Ontem, numa troca de palavras a propósito do tema - da suposta "necessidade" de se retomar o dito "primado" da política - dei comigo a reflectir que se há algo que a História nos ensina é que nunca o Tesouro foi impedimento da Política (isto é, dos políticos, dos que detêm o Poder). Quanto muito, para os governantes mais avisados e literatos na matéria, terá sido ocasionalmente uma condicionante à sua actuação. E sempre que ela se tornava "asfixiante", o Poder encontrou forma de a "superar" ou, então, foi derrubado em consequência da sua própria inépcia. Tipicamente, inflacionando a oferta monetária, seja à moda de Diocleciano (diminuindo o teor dos metais nobres nas moedas metálicas), seja, modernamente, ao jeito de Weimar ou de Mugabe, através da impressão de papel-moeda sem limites.

Sucede que este tipo de "soluções" tem consequências (ver, por exemplo, Jesús Huerta de Soto, sobre as razões não convencionais da queda do Império Romano do Ocidente) que naturalmente Soares desdenha ou ignora. Como o próprio Keynes lembrava: "Lenin was certainly right. There is no subtler, no surer means of overturning the existing basis of society than to debauch the currency. The process engages all the hidden forces of economic law on the side of destruction, and does it in a manner which not one man in a million is able to diagnose". Não obstante, a tese vem ganhando adeptos. Por cá, dentro do próprio Governo, mas não só. O resultado não vai ser bonito de se ver.

Em Portugal, sob regime democrático, o "primado" tem sido um único: o da irresponsabilidade financeira (do Estado, entenda-se).

4 comentários:

Contra.facção disse...

Caro Eduardo
O dinheiro que faltava na tesouraria era mesmo para salários, pensões e etc. ou era só para o etc.? É que há muita gente a dizer que faltava para pagar aos credores, aqui e na Grécia... E dá para acreditar, porque o governo arrecadava impostos e serviços e ninguém assaltou o BdP.
Estou certo ou estou errado?

Eduardo Freitas disse...

Caro Miguel,

Conheci, razoavelmente, o funcionamento da tesouraria em ambientes empresariais em situações de desafogo mas também de aperto financeiro. É até uma piada entre os financeiros (de que não faço parte) que a tesouraria é uma espécie de "fim da linha" e que todo o "lixo" que tiver ocorrido a montante (maus créditos, maus fornecedores, etc.), mais cedo ou mais tarde, lá irá reflectir-se.

Dito isto recordo que quando um certo empresário, há uns anos atrás, optou por não entregar o IVA ao Estado para poder pagar os salários, teve o fim que se conhece.

Moral da história e respondendo à pergunta: depende do etc., tendo em atenção, porém, que os salários, as pensões e as prestações da SS são, de muito longe, as principais rubricas do orçamento.

Contra.facção disse...

Caro Eduardo
Fiquei com as mesmas dúvidas e as mesmas certezas...
Orçamento à parte e a estória da SS também, os juros e a dívida é ou não o pressing a que estamos sujeitos?
Bfs

Eduardo Freitas disse...

Caro Miguel,

A pergunta, agora, já não é a mesma mas continuarei a tentar responder.

É evidentemente verdade que é a dívida - que não é mais do que despesa anteriormente incorrida financiada através de empréstimos por insuficiência dos impostos recolhidos - e o correspondente "serviço" (amortizações e juros) que é hoje a principal restrição das finanças do estado (no sentido amplo do termo que, como se sabe, está ainda longe de corresponder ao traduzido no OE). Se tomarmos por base a execução orçamental na óptica da Contabilidade Pública (isto é, de de pagamentos e recebimentos), o saldo primário em 2012 foi de cerca de 517 milhões de euros positivos para 7900 milhões para juros (ver aqui. Atenção, porém, às receitas extraordinárias que podem distorcer (distorcem) a análise...