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- Não foi a organização de Julian Assange quem se apoderou ilegalmente, por recurso a hacking, de um enorme conjunto de informação classificada pelos EUA. Como João Miranda bem afirmava, o que começou por haver foi uma enorme negligência por parte dos EUA na protecção da sua informação. Como confiar segredos a quem não é capaz de os preservar?
- Muito inteligentemente, Assange envolveu ex-ante cinco publicações de "referência", com um pendor de esquerda moderada, na divulgação, essa intermediada, da informação bruta que dispunha. Estamos a falar do New York Times, do Guardian, da revista Der Spiegel, do Le Monde e do El Pais.
- Assange tem sido acusado de pôr em risco a segurança de muitas pessoas. Talvez o tenha feito e isso é censurável. Recordo-me, porém, de um certo Ministro, de um certo país, ter entregue em pleno parlamento, uma lista contendo os nomes dos espiões ao serviço desse país. Não consta que esse Ministro tenha sido preso por traição ao Estado português e muito menos que tenha havido alguém que tenha pedido o seu assassinato, lhe tenha cortado o acesso a cartões de crédito ou sujeito a umas vaguíssimas e muito estranhas acusações de assédio sexual, de preservativo rompido e de violação ainda que o sexo tenha sido consentido por ambas as partes.
- Outros, numa posição mais institucionalista e "diplomática", acham que o segredo que comanda ou pelo menos faz parte das relações entre os Estados é um bem em si mesmo até porque não poderia ser de outra maneira. Pergunto a quem pensa assim: onde estavam as armas de destruição maciça que o inominável Saddam Hussein afinal não detinha? Quantas dezenas de milhar de pessoas morreram, afinal, por um "engano"? Quantos mais "enganos" houve? Quantos não teriam tido consequência em guerra declarada caso não estivessem envoltos sob o segredo de Estado?
- Outros, ainda, acusam Assange de só divulgar informação relativa ao mundo ocidental e de, ao fazê-lo, desequilibrarem a balança de poderes a favor de países com regimes ditatoriais. Ora, mantenho que esse facto devia antes ser motivo de regozijo para os cidadãos do mundo ocidental pois desta forma os respectivos governos serão alvo, potencialmente, de um maior escrutínio, de mais checks and balances, de que o jornalismo de alguma forma se tem demitido (ver crónica de Eduardo Cintra Torres na imagem ao lado).
- A propósito da divulgação de um conjunto de estruturas militares ou civis que por todo o mundo têm interesse estratégico para os Estados Unidos, Assange foi igualmente acusado de estar a oferecer/sugerir um conjunto de alvos às organizações terroristas sendo isso mais uma "prova" da natureza "maléfica" do Wikileaks. A este respeito convirá recordar que uma tão grande dispersão mundial de interesses "estratégicos" só pode significar que estejamos a falar de um império. Não consta que haja outro desde o desaparecimento da União Soviética.
- Acaso o Estado está acima dos cidadãos? Acaso deverá estar? Como bem lembra Ron Paul, Lying is not patriotic. E, por fim, ao contrário do que pensa o João Gonçalves, este "episódio" do Wikileaks é bem relevante. É até relevantíssimo. A internet, como a conhecemos, vai estar - já está - sob alvo de grandes ameaças. Assim todos os que a utilizam e fazem dela um espaço de liberdade estejam dispostos a defendê-la.
Adenda em jeito de errata: afinal o João Gonçalves sempre se interessa sobre este caso (o nosso proverbial provincianismo). Mas só isso, João?
2 comentários:
Concordo com tudo e, no que se refere ao ponto 7, temo o que possam vir a tentar no âmbito da limitação da liberdade no mundo virtual.
A diplomacia sempre precisou de ser secreta. É um processo delicado, que não pode ser sempre feito na praça pública:
em primeiro lugar porque se as diferenças entre as partes fossem fáceis de transpôr, não haveria diferenças de opinião . Em segundo lugar, porque a desconfiança entre as partes é um factor sempre presente, principalmente entre países/regimes que não são aliados ou não partilham alguns valores comuns. Não me parece que a revelação irrestrita de mensagens diplomáticas vá facilitar a actividade diplomática no futuro (e não me refiro à diplomacia dos EUA, mas a todas as diplomacias).
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