quinta-feira, 1 de março de 2012

A América e 20 anos de guerras

What Can America Win From War?, pergunta Patrick J. Buchanan. A tradução é minha:

"Gostaria de expressar o meu profundo pesar pelo incidente verificado. ... Dirijo-lhe a si e ao povo afegão as minhas sinceras desculpas."

Estava o presidente Obama a remeter este pedido de desculpas a Hamid Karzai, na sequência da queima por tropas norte-americanas de alguns exemplares do Corão, que tinham sido usados ​​para trocar  clandestinamente mensagens entre prisioneiros afegãos, dois soldados americanos foram mortos em represália.

No sábado, um coronel e um major dos EUA, em trabalho no Ministério do Interior, foram mortos a tiro por um afegão, em protesto pela profanação do livro islâmico sagrado. Todos os oficiais norte-americanos foram retirados dos ministérios em Cabul.

No domingo, sete soldados americanos foram feridos por uma granada.

O secretário de Defesa, Leon Panetta, e o general John Allen, comandante no Afeganistão, apresentaram também os seus pedidos de desculpas.

Notável. Depois de termos lutado durante 10 anos, despendido $US 500 mil milhões, e sofrer quase 2000 mortos e muitos mais feridos e mutilados para salvar o Afeganistão de um futuro sob os Talibã, os Estados Unidos estão a pedir desculpas a um regime e às pessoas em nome das quais estão lutando e morrendo para os defender?

E como foi recebido o pedido de desculpas de Obama?

Abdul Sattar Khawasi, membro do Parlamento, levantou-se em conjunto com 20 outros parlamentares para declarar: "os americanos são invasores, e a jihad contra os americanos é um dever." Ele pediu aos mullahs para "instar as pessoas ... a fazer a guerra contra os americanos."

Em que outra guerra teríamos tolerado isto por parte de um líder eleito de um governo a quem tínhamos enviado um exército de 100000 homens com a intenção de o proteger?


Inegavelmente, os soldados que queimaram os exemplares do Alcorão foram desastrados. Porém, não há nenhuma evidência de que tenha havido malícia da sua parte. Se acaso uns vândalos profanassem um exemplar da Bíblia na América, a queima e substituição do livro sagrado não seriam considerados como desculpa válida para justificar mutilações e assassinatos.

Se os afegãos não conseguem entender este erro e não têm outra maneira de expressar a sua raiva senão através de tumultos vociferando "Morte à América!" com que tipo de matéria-prima estaremos trabalhando na construção de uma democracia de tipo ocidental num qualquer século previsível?

Duas perguntas pertinentes necessitam ser colocadas.

Se a manutenção do Afeganistão livre dos Talibã é um objectivo desejável, que interesse vital para os EUA estaria em risco se os Talibã tomassem de novo o poder, agora que a Al Qaeda já praticamente de lá desapareceu?

Qual o preço em sangue e em biliões de dólares que temos de suportar no que ser parece, na melhor das hipóteses, um empreendimento duvidoso - a criação de uma democracia pró-americana num qualquer século distante?

É tempo de fazermos o balanço de todas estas guerras que travámos desde que o exército da "Tempestade no Deserto" repôs o emir do Kuwait no seu trono.

Essa guerra de 1991 foi vista como um triunfo das armas americanas e como um modelo de cooperação global para o estabelecimento da Nova Ordem Mundial de George H.W. Bush.

Mas as selváticas sanções que impusemos a um Iraque derrotado e o "plantio" de bases americanas em solo saudita, o lar de Meca, foi um casus belli para Osama bin Laden. Dez anos após o triunfo de Bush I, derrubou as torres gémeas.

Esta atrocidade fez-nos mergulhar no Afeganistão para apear os Talibã do poder e erradicar ou expulsar a Al-Qaeda. Conseguimos. Mas, de seguida, decidimos ficar e construir uma nação. Passados 10 anos,o que conseguimos que justifique o preço enorme que pagámos?

Em 2003, George W. Bush, tentando completar o trabalho iniciado por seu pai, invadiu o Iraque. Mas Saddam não teve nenhum papel no 11 de Setembro e não era uma ameaça para a América. O Iraque não tinha sequer armas de destruição maciça.

Hoje, após oito anos de guerra, 4500 mortos, 35000 feridos e um trilião de dólares enterrados, os 15000 americanos que lá deixámos estão em grande parte encafuados na Zona Verde, enquanto o Iraque caiu numa guerra sectária, civil e étnica.

Que ganhámos afinal?

Como vai a Líbia após a intervenção dos EUA-NATO para destronar Muammar Kadhafi?

Segundo Frederic Wehrey, da Rand Corporation:

"Um fraco governo de transição enfrenta milícias armadas. ... Jovens desafiantes com armas pesadas controlam os aeroportos da Líbia, portos e instalações petrolíferas. As tribos e os contrabandistas mandam nas áreas desertas no sul da capital. As diferentes milícias lutam entre si furiosamente pelo controlo do território e do poder político...

"A Líbia oscila perigosamente à beira do precipício".

Agora assistimos a um esforço para intervirmos na Síria pelos senadores John McCain, Lindsey Graham e Joe Lieberman. Tal tornar-nos-ia aliados da al-Qaeda, da Irmandade Muçulmana e do Hamas, todos igualmente procurando a queda de Bashar al-Assad e o surgimento de um regime sunita em Damasco.

Mas é o clamor por uma guerra dos EUA contra o Irão que mais alto cresce.

Mas porquê, quando a comunidade de informações dos EUA ainda mantém não ter provas decisivas de que o Irão tenha sequer decidido construir uma bomba?

Desde que Ronald Reagan foi para casa, os Estados Unidos atacaram ou invadiram o Panamá, o Iraque, a Somália, o Haiti, a Bósnia, a Sérvia, o Afeganistão, novamente o Iraque e a Líbia.

De que forma beneficiaram os americanos de todas estas guerras? Como terão sofrido os chineses nestes 20 anos por não terem entrado em acção?

Sem comentários: