terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Uma folha A4 e o Hotel do Mar

é o título da notável crónica de Pedro Lomba, hoje no Público. Lomba chama a atenção para as inacreditáveis declarações que Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República, fez nesta entrevista (que eu não tinha lido mas de onde ecoou algo como "Fui convidada pela Maçonaria e pela Opus Dei, mas não fui para nenhuma") em particular, as respostas às seguintes perguntas de Bárbara Reis e São José Almeida:
P:Tem que se criar um novo capitalismo?

A. Esteves: Sim. Um novo paradigma para o capitalismo passa por esse regresso da política. Eu acredito que numa folha A4 se podia mudar a Europa toda. É uma questão de acertar em cheio. Esta crise já nos obrigou a ver as evidências, agora falta só a coragem de as passar ao papel.
(...)
P: Tenciona ter uma atitude pública para contrariar o espírito do caça-político?

A. Esteves: Os deputados sabem que podem contar comigo para defender a imagem a que temos direito, que é uma imagem de dignidade. E é uma dignidade acrescida pelo sentido de entrega que é superior ao do cidadão comum, à das pessoas que estão habituadas às suas vidinhas(...)
Palavras que merecem a justa indignação de Lomba:
«Está a dra. Assunção a dizer que a "dignidade" de um deputado é "acrescida" face ao cidadão comum? Que a "entrega" de um deputado é "superior" [à] do cidadão comum que aguenta há décadas em silêncio os vexames de uma democracia partidária de videirinhos? Quer maior "entrega" do que essa? E ainda fala das "pessoas habituadas às suas vidinhas"?»
e
«Achar-se que uma folha A4 chegava para mudar a Europa toda" mostra bem a inépcia e a falta de cultura política das nossas elites. E, no entanto, a frase já convenceu um dos "mestres" da dra. Assunção, o notável professor Freitas do Amaral que, em entrevista recente à Visão, afirmou isto: "Como dizia a presidente da AR, Assunção Esteves, os problemas da Europa podem resolver-se numa folha A4. Vinham os líderes dos países europeus, reuniam-se num fim-de-semana, num sítio tranquilo como o Hotel do Mar, em Sesimbra, e resolviam o problema."(...)
Espantoso. Mas não se surpreendam. Estamos a falar do mesmo professor Freitas que, há uns anos, propôs acabar o conflito Israel-Palestina com um jogo de futebol.
Caros concidadãos: se me estiverem a ler em 2080, saibam que eram assim as elites do regime em 2011. A gente pedia ideias e em troca recebia uma folha A4 e o Hotel do Mar»
Como comentário diria apenas que quando o dr. Mário Soares e outros estadistas portugueses se lamentam,  da falta de "estatura" dos actuais políticos europeus, no fundo, do que se estão a queixar é que rareiem agora os políticos arquitectos dos desígnios vertidos numa folha A4. Os tais que nos meteram no desastre monumental com a introdução do euro (como via, insidiosa, do verdadeiro Projecto: a concretização dos Estados Unidos da Europa). Ignorantes.
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Nota: há uns anos largos atrás, trabalhava eu então na CP, o presidente de uma recém-nomeada administração, convocou uma espécie de conclave (passivo) dos directores da empresa (umas largas dezenas). Depois de uma arenga de cerca de duas horas, em que humilhou propositadamente três das mais prestigiadas figuras da casa, terminou a reunião solicitando a cada um dos presentes que lhe remetessem, numa única folha A4, o que achavam que devia ser mudado na empresa. Já não me recordo muito bem mas, logo após se saber, através da imprensa, que requisitou um jeep todo-o-terreno para exercitar, talvez, uma espécie de Paris-Dakar em pleno areal nas cercanias da Figueira da Foz, o seu fim foi o que se adivinha. Não sei já se chegou a durar um ano antes de ser demitido. Quanto às tais folhas A4, não será preciso acrescentar que nunca mais ninguém ouviu falar.

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