sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Também não será o "alívio quantitativo" que irá salvar o Estado social

(Sequência de "A austeridade é a perestroika do estado social")

Qual hidra de inúmeras cabeças, a receita keynesiana ortodoxa, que consiste em "estímular" a "procura agregada" através da despesa pública (mesmo que desbragada), falhou estrondosamente como tentativa de obviar ao Apocalipse que, assim nos era asseverado, recairia sobre nós sob a forma de recessão e desemprego, não tivesse o Estado agido1 ("[s]e não tomássemos estas medidas, a recessão seria muito maior", dizia Sócrates). Sabemos no que deu, no Japão, na Europa ou nos EUA. Sabemos no que deu, em Portugal.

Instalado um consenso, ainda que circunscrito no tempo (a memória é curta...), de que a receita keynesiana ortodoxa não funcionou, o passo seguinte costuma ser o de deslocar a atenção para o banco central, os "estímulos monetários". Não temos visto e ouvido de outra coisa nestes últimos meses. Trata-se de, através da criação de moeda e da manipulação das taxas de juro, na tentativa de promover o crédito (outra forma de criar moeda) criar prosperidade. Nisto reside, no essencial, a doutrina monetarista. Assim formulada, ela não é muito diferente da keynesiana no sentido em que continua a ser uma outra modalidade de planeamento central.

Conforme tinha referido no post que refiro acima, volto a socorrer-me de outra passagem do mesmo texto de Jacques Raiman para sustentar por que razão o QE da Fed ou o OMT do BCE não irão funcionar e que também não será por aqui que os nossos problemas se resolverão (minha tradução):
"Os bancos centrais são confrontados com uma tarefa impossível: eles são supostos deter o conhecimento que permitiria definir e executar uma política monetária adequada (taxas de juros, massa monetária). Mas por que razão o planeamento central, que é incapaz de determinar os preços dos outros bens e das quantidades produzidas, seria capaz de o fazer  com a moeda? Esta é uma façanha impossível, apesar de todos os talentos reconhecidos aos especialistas. Por exemplo, sob aplausos praticamente unânimes, os bancos centrais declararam que conseguiram proporcionar um longo período de "Grande Moderação". Este último, aferido pelo índice de preços ao consumidor, cegou os meios de comunicação, os economistas de todos os quadrantes políticos, e até mesmo os bancos centrais. Eles foram incapazes de medir ou levar em conta o crescimento espectacular tanto do valor dos activos quanto dos preços das matérias-primas, dos imóveis e dos produtos alimentares. Este crescimento foi a consequência do excesso de moeda emitida pelos bancos centrais que alimentou a explosão do crédito financiado pelos bancos e pelos sistemas de crédito paralelo.

O financiamento do boom foi apresentado pelos bancos centrais como resultado do excesso de poupança de que não foram responsáveis, não da explosão do crédito. No entanto, a análise de Jacques Rueff, no seu livro "O pecado monetário do Ocidente" há muito que demonstrou que o fim do padrão-ouro, e a sua substituição por um sistema em que utiliza a dívida americana como moeda de reserva, engendram inevitavelmente um mecanismo de duplicação do dinheiro criado pelos bancos centrais, acompanhado de uma expansão ilimitada do volumes de crédito produzidos nos Estados Unidos e nos países superavitários, como acontece com a China de hoje. Esta avalanche de crédito, por exemplo em Espanha, financiou o boom imobiliário, e também o do sector público. Foi desta forma que a Espanha conta hoje com mais quilómetros de linhas de comboio de alta velocidade que a França e bem mais aeroportos que a Alemanha (incluindo um aeroporto novinho em folha livre de qualquer tráfego aéreo). Na maioria dos casos, estes sobreinvestimento foram financiados pelo endividamento que o Estado já não pode honrar por falta de receitas suficientes."
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1Este é um tipo de afirmação que é insusceptível de ser verificada ou falsificada. Porém, há vários exemplos históricos bem conhecidos, como a forte recessão de 1920-1921 nos EUA, de que muito poucos ouviram falar talvez porque o governo de então entendeu nada fazer. A recuperação da economia foi notável logo no ano seguinte.

Um outro exemplo embaraçante para os intervencionistas keynesianos, pode formular-se por uma pergunta: por que razão, logo a seguir à II Grande Guerra, com a desmobilização em massa dos exércitos e o fortíssimo decréscimo na despesa pública, a economia americana não só não entrou em recessão como, pelo contrário, revelou um fulgor extraordinário?

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