Nunca tive grandes ilusões quanto à capacidade vontade deste Governo para levar a cabo o indispensável e profundo desbaste do Estado e qualquer réstia que ainda sobrasse, perdi-a logo nesta altura.
Após o episódio de 6ª feira (apenas mais um de muitos já ocorridos e pré-anunciados), creio de grande clarividência este post de Gabriel Silva que termina assim: "Talvez sem financiamento não se pudesse mesmo gastar mais do que se recebe. E se entrasse nos eixos. Seriam as reformas forçadas. Porque pela vontade política, mesmo de uma maioria, já se viu que não se vai lá." Totalmente de acordo.
Detlev Schlichter, aqui, a propósito das mais recentes manobras do BCE, explica por que razão elas apenas virão adiar o inevitável colapso e irão continuar, por mais algum tempo, a permitir a irresponsabilidade financeira dos estados e a ficção do Estado social. A tradução é minha.
Após o episódio de 6ª feira (apenas mais um de muitos já ocorridos e pré-anunciados), creio de grande clarividência este post de Gabriel Silva que termina assim: "Talvez sem financiamento não se pudesse mesmo gastar mais do que se recebe. E se entrasse nos eixos. Seriam as reformas forçadas. Porque pela vontade política, mesmo de uma maioria, já se viu que não se vai lá." Totalmente de acordo.
Detlev Schlichter, aqui, a propósito das mais recentes manobras do BCE, explica por que razão elas apenas virão adiar o inevitável colapso e irão continuar, por mais algum tempo, a permitir a irresponsabilidade financeira dos estados e a ficção do Estado social. A tradução é minha.
Ontem [5ª feira, dia 6/9], o BCE assumiu-se oficialmente como o emprestador de último recurso a todos os estados da Zona Euro. O assegurar que cada estado possa sempre pedir emprestado a taxas convenientemente baixas foi assumido constituir um componente essencial da "manutenção da estabilidade financeira" e, como tal, um elemento standard da banca central moderna. Apesar de todas as diferenças protestadas e quadros jurídicos diversos, todos os grandes bancos centrais tornaram-se agora em caixas ATM ["Multibanco"] inesgotáveis para os seus respectivos governos. Coincidência?
Na conferência de imprensa de ontem Draghi declarou que a compra ilimitada de títulos era realmente o curso normal que um banco central deve adoptar para se certificar de que os "canais de transmissão da política monetária" não ficam obstruídos. Actuação que estará bem dentro do mandato original do BCE, embora Draghi tenha pensado continuar a ser necessário atribuir a culpa a terceiros pela necessidade da sua nova iniciativa, nomeadamente os investidores que, com os seus "receios infundados", criaram "graves distorções" nos mercados de dívida pública.
Ele estava, evidentemente, a falar dos "temores infundados" de uma ruptura do euro, quando o que realmente está no centro da crise da dívida soberana da Zona Euro é o temor de que vários estados declarem falência o que não é de todo destituído de fundamento. A incapacidade da maioria dos governos em controlar a despesa pública e assim acabar com a sua dependência de empréstimos continua a ser a verdadeira razão para as "graves distorções" nos mercados de dívida soberana.
Os políticos e os banqueiros centrais poderiam ter separado a questão do default da da saída do euro, tornando claro que o incumprimento é uma opção dentro da moeda única. Essa era realmente a ideia qu estava por trás da cláusula original de não-resgate. Deixe-se que a Grécia entre em bancarrota, assim como a Espanha mas não os expulsem do euro. O incumprimento é um problema entre o credor e o devedor, e é tudo. Como disse antes, sob o padrão-ouro clássico, um governo poderia ter entrado em default e ninguém teria deixado de usar o ouro como dinheiro, nem mesmo os cidadãos do estado incumpridor. Da mesma forma, os californianos não serão convidados a deixar a zona do dólar se (ou quando) o governo da Califórnia entrar em incumprimento.
A saída do euro é uma decisão política, e não uma necessidade económica. A ideia é obter de volta o seu próprio banco central, imprimir muito dinheiro e, dessa forma, continuar a pedir emprestado e a gastar. Ontem, o BCE deixou claro que a saída não é necessária já que o BCE vai agora, ele próprio, levar a cabo toda a "impressão" para os Estados mais fracos .
Não há nenhuma surpresa aqui. Tudo isso era esperado e, mais cedo ou mais tarde, inevitável. No entanto, constitui mais um passo em direcção à nacionalização do dinheiro e do crédito e à morte dos mercados livres. Eis porquê:
É uma questão de lógica que qualquer pessoa que habitualmente gasta mais do que ganha e pede emprestada a diferença, coloca-se à mercê de seus credores. Quando estes perderem a confiança nela, ela deixará de ser capaz de refinanciar a sua dívida ou pedir mais empréstimos, ou talvez até possa ser capaz de fazê-lo se bem que a taxas punitivamente altas. Este é o reverso do viver constantemente além das suas possibilidades, do endividamento progressivo. É preciso alguém para financiar tal extravagância. Quando os seus credores perdem a confiança na sua capacidade de reembolsar, isso significa que chegou o "fim do jogo".
Mas, no nosso sistema de moeda fiduciária, isto já não se aplica aos bancos e aos estados. Para estas duas entidades, não importa o que os investidores e depositantes - "o mercado" - pensam ou sentem. Nestes casos, a burocracia do banco central assume o papel do derradeiro decisor político. Desde que os bancos e os governos possam convencer a burocracia do banco central de que devem permanecer a funcionar e continuar a contrair empréstimos, é exactamente isso que irão fazer, de preferência directamente a partir das impressoras e sem a participação desses investidores traquinas com "medos infundados". E, nos dias que correm, não é difícil convencer o banco central.
Do LTRO ao OMT
Os membros do complexo político-financeiro têm, é certo, permanecido grudados entre si: bancos falidos têm comprado dívida pública de estados falidos para que os os governos possam continuar a resgatar os bancos falidos. O BCE tem providenciado o dinheiro para esta charada. Costumava designar-se de LTRO - "long-term refinancing operation" [operação de refinanciamento de longo prazo].
Sob o programa LTRO, o BCE podia fingir que estava apenas a apoiar os bancos e não, simultaneamente, os governos perdulários. O apoio aos bancos foi aceite de acordo com a ortodoxia então reinante no banco central, já não acontecendo o mesmo ao financiamento dos estados. No ano passado e no início deste ano, o BCE imprimiu um milhão de milhões de euros de dinheiro novo e deu-o aos bancos, principalmente para os bancos da periferia da Zona Euro. Esses bancos, de seguida, usaram o dinheiro para comprar títulos de dívida pública dos seus governos.
O programa LTRO tinha duas falhas: um milhão de milhões podem soar como um grande monte de dinheiro para você e para mim, mas até mesmo um milhão de milhões não é, digamos assim, ilimitado. E porque o LTRO não era ilimitado, ele acabou a certa altura, e o péssimo estado das finanças públicas veio à tona novamente. Todos os títulos de dívida pública recém-adquiridos, subitamente, voltaram a provocar um novo buraco nos balanços dos já fragilizados bancos da periferia
A burocracia do banco central veio agora com o programa OMT - "outright monetary transactions ["transações monetárias directas"] - para abordar duas limitações do LTRO: o OMT é não apenas ilimitado como não sobrecarrega os balanços dos bancos por mais tempo. Trata-se de impressão de moeda directamente a partir do banco central em benefício do estado (mesmo que seja realizado no mercado secundário).
Claro que o OMT vem acompanhado de uma vasta gama de promessas piedosas, como a que ele só irá beneficiar os governos que recebam o apoio da ESM ou EFSF, e que se sujeitam às condições duras desses programas. Os heróicos esforços de consolidação fiscal continuarão.
Sim, certo.
Já ouvimos isto muitas vezes antes. A eurocracia é muito boa na imposição de limites e restrições duras sobre si mesma, apenas para as ignorar descaradamente ao primeiro obstáculo. Lembram-se do Tratado de Maastricht? Dos limites à dívida pública e aos défices orçamentais? Da cláusula de não-resgate? Cada uma dessas promessas foi, entretanto, quebrada. Para mais, não temos quaisquer garantias. O BCE pode alterar qualquer uma dessas condições de um momento para o outro. Tudo isto é inteiramente arbitrário. A elite vai fazendo as suas próprias regras no decurso do caminho.
Só a perspectiva de incumprimento imediato e a impossibilidade de acesso a novos empréstimos alguma vez forçará os políticos a encolher o aparelho do Estado que é a fonte de seu poder. A classe política odeia a "austeridade". Assim como a maioria dos eleitores. Com o conforto instalada da impressora, o apetite para a reforma fiscal certamente que irá desaparecer. As chances de que a "austeridade" venha a ter uma morte tranquila aumentaram.
A resposta do mercado
A resposta inicial dos mercados é, em minha opinião, algo tola embora não inteiramente surpreendente. As cotações das acções estão subindo significativamente, em particular as dos bancos. O mesmo acontece com a dívida pública. O euro está mais forte em relação a outras moedas porque o risco de ruptura supostamente diminuiu. Mas a ruptura já antes parecia improvável.
Na verdade, nenhuma resposta era necessária. Nada de material se alterou. Tal como os bancos centrais da Grã-Bretanha e dos EUA, o BCE irá agora, activa e directamente, amparar a dívida pública através das impressoras monetárias, mas isso era inevitável, mais cedo ou mais tarde, de qualquer maneira. Eu não vejo qualquer base para uma divergência acentuada de qualquer uma dessas moedas. Em todas essas economias as impressoras estão rapidamente a tornar-se na última linha de defesa de um sistema insustentável.
E o OMT do BCE contribuirá tanto para acabar com a depressão quanto o QE ["Quantitative Easing"] o fez nos EUA e na Grã-Bretanha (...)
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