segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Portugal e a Zona Euro: permanecer ou abandonar? (2)

(Continuação daqui)

Como sempre acontece, o sector privado da economia rapidamente se ajusta. Se não há crédito disponível, os agentes privados não têm como escapar: já não podem despender mais do que o seu rendimento. Inclusivamente, com as famílias, verifica-se um fenómeno aparentemente paradoxal: embora, no agregado, o rendimento disponível diminua, a poupança aumenta!

Já com o Estado, o ajustamento às novas condições de forte restrição de crédito é muito lento e talvez mesmo virtualmente impossível sem default: Por um lado, porque é "impensável", por politicamente muito perigoso, pôr em causa as "conquistas civilizacionais" do Estado social (até que...); por outro, porque a gigantesca burocracia estatal (a oficial e a "paralela") é de uma tenacidade a toda a prova quando se trata de se auto-proteger (sabe muito bem que a melhor forma do fazer é, até, de clamar pelo seu contínuo crescimento).

Chegados aqui, surge a pergunta em título. Devemos nós abandonar a Zona Euro, desvalorizar e, em consequência, automaticamente empobrecer face ao exterior para, de seguida, imprimir dinheiro freneticamente ao ritmo das reivindicações de reposição do poder de compra pelos sindicatos (em regra, sem sucesso) e assim criar um novo ciclo inflacionista dos preços? Ora nós já vimos este filme por duas vezes num passado não longínquo. Alguém acredita que, deixados a nós próprios, iríamos conseguir adoptar uma política orçamental responsável sem recurso sistemático ao imposto da inflação?

É esta, no essencial, a razão pela qual creio ser desejável que permaneçamos na Zona Euro. Ainda que de uma forma imperfeita, essa condição obriga o Estado português a observar regras mínimas de "austeridade", ou seja, que não gaste sistematicamente mais do que recebe via impostos (e sem sofrer as consequências de os aumentar). Se o não fizermos também no futuro, o crédito voltará a secar. É esta a disciplina que o euro nos impõe. E se é certo que o BCE tem vindo a acelerar, por diversas formas, a monetização das dívidas soberanas (criando moeda para o efeito), há razões fortes para pensar que a sua dimensão, pelo menos enquanto a Alemanha permanecer na Zona, nunca será tão acentuada como a que sucederia sob um regime de moedas nacionais (nacionalismo monetário).

Creio, assim, que Jesús Huerta de Soto tem toda a razão (do ponto de vista dos países fiscalmente irresponsáveis como é o nosso) quando tem a ousadia intelectual de propor uma defesa do euro enquanto substituto, ainda que imperfeito, para a disciplina orçamental que um regresso a um padrão-ouro exigiria. (Inclusivamente na sugestão que faz a Philipp Bagus, seu antigo discípulo e autor da Tragédia do Euro de proceder a uma alteração no título desta última obra para "A Tragédia do Banco Central Europeu (e não do euro)").

Nota: em sentido contrário ao que aqui defendo, ver a coluna de hoje de Camilo Lourenço.

3 comentários:

Vivendi disse...

Boas Eduardo,

Julgo que nesta fase é deixar andar.
Vamos indo vamos vendo.

Tem aspetos positivos e negativos de ambos os lados.

Essa questão já foi muito abordada no meu blogue e no blogue contas caseiras.

Mas o papel principal nesta história na decisão pertence aos alemães.

Anónimo disse...

Eu não simpatizava com o carácter gigantesco, centralista e burocrático do BCE, mas esse artigo do Huerta de Soto fez-me mudar de opinião, e valorizar os pontos positivos do Euro, sem dúvida.

Cumprimentos,
J. Ramos

Eduardo Freitas disse...

Caro Vivendi,

Boas também.

Claro que sim. Não creio que tenha sido particularmente inovador no alinhar destas ideias sobre o assunto. Longe disso. Apenas pretendi clarificar a minha actual posição sobre o assunto.

Sucede que li a coluna do Camilo Lourenço hoje (com que não concordei) e vi assim um pretexto para contribuir para divulgar o muito estimulante texto de Huerta de Soto, o que já tardava. Apenas isso.

Cumprimentos,