quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Eu? Não sabia de nada!!

O guião ortográfico

Será que uma das razões que explicam o sucessivo protelamento na divulgação do famigerado guião possa ser resultado da tensão, profusamente patente no texto (por exemplo, "inspecção" e "inspeções" na 3ª e 4ª linhas da página 48), quanto à (próxima?) norma ortográfica a adoptar? Ou tratar-se-á de uma outra "reforma" avant la lettre?

Uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma em busca da burocracia da excelência

No famigerado guião da reforma do estado, alude-se, a pp 28-38, a "cerca de 80 exemplos, sector a sector, de reformas no Estado, [que] tornam claro que o processo é permanente e coerente". Tal afirmação, ilustrada da forma que está, permite sustentar a tese que a "reforma do estado" é, afinal, um continuum. E, assim sendo, os dois anos e meio de "reformas" deste governo ainda empalidecem perante, por exemplo, a dimensão das "reformas" dos governos liderados por Aquele-que-tenho-pejo-em-nomear1.

Perante o pindérico elenco apresentado, aproveitaria para sugerir a inclusão de um mero mas significativo parágrafo cujo texto poderia ser algo como isto:
Reformar o Estado é fazer regressar o futebol à RTP pelo manifesto serviço público que constitui e que, como ficámos a saber com o prof. Poiares Maduro a sobraçar o dossier, é insusceptível de ser prestado pelas televisões privadas. O mesmo se diga dos próximos Jogos Olímpicos.
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1De tal modo que estava capaz de sugerir um desafio aos investigadores mais disponíveis para, porventura mediante a criação de um observatório dedicado, se desenvolver um "modelo" para mensurar objectivamente a densidade reformista dos sucessivos governos em Portugal. A minha tese, implícita nesta sugestão, confesso, é que os governos do Estado Novo foram, ao contrário do mito estabelecido, efectivos adeptos do laissez-faire.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Haverá uma saída?

No dia em que finalmente foi divulgado pelo governo o famigerado "guião da reforma do estado" (que ainda não tive oportunidade de ler) será oportuno reflectir com Walter Wlliams sobre se facto há uma saída - Is There a Way Out? - para o declínio que, na realidade, já há muito atravessamos (embora os efeitos só recentemente tivessem eclodido). Não há muitas razões para estar optimista. A tradução é minha.
De acordo com uma recente sondagem da Fox News, 73% dos americanos estão insatisfeitos com o rumo do país, um aumento de 20 pontos desde 2012. Os americanos sentem que há muita coisa errada na nossa nação, mas a maioria não tem a menor ideia da verdadeira natureza do nosso problema. Se a tivessem, a maioria teria pouco estômago para aquilo que seria necessário fazer para estancar o nosso declínio nacional. Analisemo-lo.

Walter E. Williams
Entre dois terços e três quartos da despesa federal, em violação da Constituição dos EUA, podem ser descritos como o resultado do processo pelo qual o Congresso retira os rendimentos ou a propriedade a um americano para dar a outro o que não é dele. O leitor perguntará: "Williams, o que quer dizer com isso?" O Congresso não tem recursos próprios. De resto, não existe Pai Natal nem fada dos dentes para lhe proporcionar receitas. O facto do Congresso não possuir recursos seus obriga-nos a reconhecer que a única maneira do Congresso poder dar a um americano um dólar é a de primeiro - através da intimidação, de ameaças e coerção - confiscar esse dólar a um outro americano através do código fiscal.

Se um qualquer americano fizesse privadamente o que faz o Congresso de forma pública, ele seria condenado como um ladrão comum. Tirar o que pertence a um americano para dar a outro é roubo, e o destinatário é um receptor de propriedade roubada. A maioria dos americanos sofreria uma significativa angústia e uma dissonância cognitiva se se vissem a si mesmos como destinatários de bens roubados, de modo que o roubo levado a cabo pelo Congresso tem de ser eufemizado conferindo-lhe um nome respeitável. Esse nome respeitável é "direito social" [entitlement]. O dicionário Merriam-Webster define entitlement como "a condição de ter o direito de ter, fazer ou conseguir alguma coisa". Por exemplo, eu tenho o direito a entrar na casa que possuo. Eu tenho o direito de conduzir o carro do qual sou proprietário. A questão difícil é saber se eu também tenho o direito àquilo que o leitor ou qualquer outro americano possui.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Greenwald: "A NSA armazena dados para poder visar todo o cidadão, a todo o momento"

Uma espécie de um intolerável "pós-cog" que, como Greenwald explicitamente adianta (e Eric Margolis aqui antecipava), iremos em breve perceber que a sua expansão vai bem para além daquela que já é conhecida.

A Stasi encontra Steve Jobs

Não querendo de todo contribuir para desvalorizar o a todos os títulos intolerável "estado de vigilância" deixando "cair" o assunto como muitos "especialistas" de geopolítica vêm tentando, propus-me partilhar agora um texto recente de Eric Margolis cujo título me apossei para encimar este post. Sem quaisquer comentários adicionais, destacaria apenas a pergunta final do texto que Margolis enuncia: [C]omo é possível que a política externa dos EUA esteja num tal caos considerando que o Tio Sam está a escutar o telefone de todos e de cada um e a ler o seu correio?
Eric Margolis
26 de Outubro de 2013

"Os cavalheiros não lêem o correio de outros cavalheiros", fungou o secretário de Estado Henry Stimson EUA, em 1929, quando foi informado que os criptógrafos americanos tinham decifrado os códigos militares navais e diplomáticos do Japão.

Stimson, que mais tarde dirigiu o Departamento da Guerra, viria a ordenar o encerramento das actividades de descodificação.

Infelizmente, já não restam nenhuns cavalheiros da velha escola em Washington nos dias que correm. As revelações da espionagem electrónica levada a cabo pelos EUA denunciadas por Edward Snowden provocaram um furor na América Latina e agora na Europa.

O alvoroço desta semana foi intensificado por alegações de que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA) tinha escutado o telemóvel da chanceler alemã, Angela Merkel, a mais importante e influente líder da Europa. Uma dose adicional de ultraje surgiu em França após relatos de que os seus líderes e diplomatas tinham sido escutados pelos grandes ouvidos da NSA [ontem mesmo, ficou-se a saber que também a Espanha foi alvo das escutas maciças da NSA].

Sem surpresa, o presidente Obama negou oficialmente a existência de escutas às conversas telefónicas de Merkel. Uma fonte dos EUA procurou mitigar os danos alegando que a NSA apenas tinha escutado o telefone do seu gabinete oficial, não o seu telemóvel. A ira alemã não se apaziguou.

Em tempos, os ministros franceses do Interior - nomeadamente Nicholas Sarkozy - costumavam ficar acordados noite fora a vasculhar as escutas telefónicas relativas aos pecadilhos dos seus próprios colegas. Tratava-se de uma boa diversão. Em contraste, hoje, a NSA e a CIA estão a "varrer" todas as comunicações de supostos aliados como uma componente do estado de segurança nacional dos EUA. Chamemos-lhe: a Stasi encontra o falecido Steve Jobs da Apple.

Consta que, só no mês passado, a NSA vasculhou 70 milhões de chamadas telefónicas de franceses, mensagens de texto e correio electrónico sob o pretexto, coxo, do combate ao terrorismo. O que realmente a NSA estava a descobrir eram os números de telefone das amantes ou namorados de proeminentes franceses - muito úteis para operações de chantagem por parte da CIA - e informações comerciais importantes. O terrorismo constitui uma manobra de diversão. A adopção pela NSA de uma actividade de espionagem descontrolada, alegadamente para combater o "terrorismo", está a fazer com que muitos americanos se questionem novamente acerca dos acontecimentos do 11 de Setembro que desencadearam a explosão do estado de espionagem americano, da legislação restritiva, e das guerras no estrangeiro.

E quantos periquitos ou cágados, alguém me esclarece?

Incompreensível para um amigo do crescimento com sensibilidade social

Hollande com menor apoio a um Presidente francês em mais de 30 anos.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Hermenêutica do "empobrecimento"

António e Maria habituaram-se a viver gastando sistematicamente mais do que recebiam dos rendimentos do seu trabalho. Ano após ano, tiveram assim que cobrir o correspondente défice da tesouraria doméstica. Primeiro, recorreram a empréstimos junto dos seus pais, que acabaram "reestruturados" em "transferências" a fundo perdido. Mais tarde, quando os fundos paternais se esgotaram (ou se esgotou a paciência daqueles que os acumularam ao longo do tempo), recorreram ao seu banco: de início, utilizando os cartões de crédito que o banco simpaticamente lhes proporcionou, para de seguida contraírem empréstimos (pessoais) só para conseguirem pagar as dívidas contraídas com os cartões, já incluindo os juros respectivos. Ainda tentaram abrir conta noutro banco aproveitando uma promoção mas, e apesar de disporem agora de um outro cartão de crédito, a pressão sobre a tesouraria familiar não apenas continuava mas era cada vez maior. Um dia, receberam a notificação do banco a cancelar a utilização do cartão de crédito enquanto não pagassem o saldo em dívida. Pouco tempo depois, o mesmo sucedeu com o outro banco. Foi assim que concluíram que, na impossibilidade de aumentar os seus "rendimentos", só restaria cortar na despesa familiar. Esta é a história do início do "empobrecimento" de António e de Maria. Alguns, poucos, sustentam que o que se passou foi a administração de uma dose de realidade.

domingo, 27 de outubro de 2013

A mentira, que permanece, de ser possível ter "algo a troco de nada"

Um artigo a meu ver muito interessante, o do australiano Vern Gowdie - Money Printing: Everything Old is New Again - onde se aborda, com o adequado enquadramento histórico, o sempiterno mito da obtenção da prosperidade a troco de nada e das consequências para aqueles que teimam em persegui-lo. É certo haver por aí, ao que leio, quem contraponha que há um implícito "calvinismo" nessa análise uma qualquer forma de calvinismo perante a evidente injustiça do que seria não se poder decretar a prosperidade através de um qualquer édito governativo (desde que financiado pelas impressora do banco central respectivo, o alquimista dos nossos dias). 

A tradução, como habitualmente, é da minha responsabilidade.
"A única coisa nova no mundo é a história que não se conhece." - Harry S. Truman

Embora o mundo tenha evoluído ao longo dos séculos, as emoções humanas permaneceram as mesmas - felicidade, tristeza, ciúme, ganância, medo.

A classe dirigente e a classe trabalhadora são igualmente afectadas por estas emoções.

A procura pela opção da facilidade é uma outra fragilidade humana que resistiu ao teste do tempo.

É por estas razões que estamos destinados a repetir os mesmos erros dos nossos antepassados.

A mentalidade de [procurar obter] "algo a troco de nada" tornou-se tão arreigada na nossa cultura que perdemos o sentido da objectividade e da realidade. A história está repleta de exemplos do quão mal terminam as histórias das expectativas de privilégios.

Os políticos prometem "algo" financiado por moeda criada no éter. Os cidadãos são levados a ter expectativas quanto a "direitos" [aspas minhas] pagos pelos impostos de outros. Os consumidores são instados a comprar "algo" com o dinheiro que não têm (crédito).

Centrais (trocadilho intencional) neste jogo de ilusão são os nossos banqueiros centrais. As suas impressoras estão a manter a farsa económica global do "algo a troco de nada" no modo de suporte à vida.

Prova do quão precário se tornou este castelo de cartas de "algo a troco de nada" foi a recente publicação das minutas do Fed americano. Alguns dos membros do seu conselho de governadores tiveram a ousadia de questionar os méritos do Quantitative Easing (impressão de dinheiro [sob a forma de "flexibilização quantitativa"]). A mera "bolha mental" foi suficiente para levar Wall Street a um tremor temporário.

Imagine-se o que sucederia se os bancos centrais da Europa, do Japão, da China, do Reino Unido e dos EUA, de facto dissessem: "já basta e, daqui em diante, acabará toda esta absurda impressão de moeda". Os mercados ficariam apoplécticos. A história, enfaticamente, diz-nos que este é o nosso destino.

De Roma para Espanha para Washington

O Fed é o mais recente uma longa série de manipuladores de moeda. Esta prática enganosa remonta à Roma Antiga. Na tentativa de financiar as exigências de um império em expansão, sucessivos imperadores romanos "imprimiram mais moeda" ao diminuírem gradualmente o teor de prata das moedas com metais mais baratos. Nota: este passe de mágica não terminou bem para os romanos.

Citação do dia (142)

"All rational action is in the first place individual action. Only the individual thinks. Only the individual reasons. Only the individual acts."

Ludwig von Mises

Bob Dylan - Things Have Changed

Assinalando o visionamento do surpreendente "Wonder Boys" ("Prodígios"):

sábado, 26 de outubro de 2013

Robert Murphy recebeu uma carta da sua seguradora

relativa ao seu seguro de saúde. Esta:


que lhe suscita a seguinte observação (minha tradução):
«Eu pensava que estava contente com o meu seguro de saúde, mas de certeza que estava enganado. É a única explicação. Em qualquer caso, mal posso esperar para conhecer todas as poupanças que vou conseguir ter com o meu novo seguro e com a maior cobertura [de riscos] que me vai proporcionar!»
Se o leitor acaso pensar que lhe estou a apresentar (mais) uma prova irrefutável da perversidade própria de toda e qualquer companhia de seguros, em particular se for norte-americana, convido-o a ver o seguinte vídeo e, de seguida, a eventualmente reponderar a sua primeira impressão:


(Adaptação do post de Robert P. Murphy)

As economias não são destruídas num único dia

O texto abaixo é uma tradução minha do artigo de Nicolás Cachanosky, "Economies are Not Destroyed in a Day" (de onde roubei o título para o post), publicado ontem no Mises Institute. Originalmente escrito em língua espanhola e ainda que direccionado ao público argentino, porque nele se inspeccionam conceitos comummente invocados no linguajar comunicacional de hoje (entre outros, "crescimento económico", "recuperação económica", "capacidade de produção", etc.), creio que a sua leitura também permite lançar luz sobre a leitura da evolução verificada na realidade económica portuguesa. Em particular, indicando razões para o medíocre crescimento económico verificado na década passada apesar dos elevados níveis de investimento.
"No começo deste mês, o principal jornal conservador da Argentina, La Nación, publicou um editorial não assinado comparando a economia da Argentina à da Venezuela. A publicação concluiu que à medida que a liberdade económica na Argentina diminui, e que prossegue a adopção do que Chávez designou por "socialismo do século XXI", a Argentina está cada vez mais parecida com a Venezuela. Será isto verdade? Irá a Argentina sofrer o mesmo destino que a Venezuela, onde a pobreza está a aumentar e o papel higiénico pode ser considerado um luxo?

As semelhanças das regulamentações e problemas económicos que ambos os países enfrentam são realmente impressionantes, apesar das diferenças óbvias entre os dois países. No entanto, quando as pessoas são confrontadas com as semelhanças, é comum ouvir respostas como "mas a Argentina não é a Venezuela, temos mais infra-estruturas e recursos".

São as transformações institucionais, no entanto, que definem o destino a longo prazo de um país, não a sua prosperidade no curto prazo.

Imaginemos que Cuba e a Coreia do Norte se tornavam, de um dia para o outro, nos dois países que em todo o mundo mais defendiam o livre mercado e a intervenção estatal limitada. Os dois países alcançariam de imediato as liberdades civis e a liberdade económica, mas teriam ainda que acumular riqueza e desenvolver as suas economias. A mudança institucional afecta imediatamente a situação política, mas uma nova economia exige tempo para que possa ganhar forma. Por exemplo, quando a China abriu partes da sua economia aos mercados internacionais, o país começou a crescer, e estamos agora a assistir aos efeitos de décadas de relativa liberalização económica. É verdade que em muitas áreas na China continuam em falta liberdades significativas, mas hoje haveria uma China muito diferente caso [o governo chinês] se tivesse recusado a mudar as suas instituições há décadas atrás.

O mesmo ocorreria se um dos países mais ricos e desenvolvidos do mundo adoptasse as instituições cubanas ou norte-coreanas de um dia para o outro. A riqueza e o capital não se desvaneceriam em 24 horas. O país iria passar de um processo de acumulação de capital para um processo de consumo de capital e poderia levar anos ou até mesmo décadas a esgotar os cofres da riqueza anteriormente acumulada. No interim, o governo teria os recursos para jogar o jogo do socialismo populista bolivariano (i.e., venezuelano) e desfrutar da riqueza, das estradas, da infra-estrutura eléctrica e das redes de telecomunicações que foram o resultado das realidades institucionais do passado, mais orientadas à economia de mercado.

De acordo com o Índice de Liberdade Económica no Mundo do Instituto Fraser, a Argentina ocupava o 34º lugar no ano de 2000. Em 2011, no entanto, a Argentina caíra para 137º, ao lado de países como o Equador, o Mali, a China, o Nepal, o Gabão e Moçambique. Não há nenhuma dúvida de que a Argentina desfruta de  maior desenvolvimento e riqueza do que aqueles outros países. Mas poderemos continuar a ter a certeza de que essa será a situação daqui a 20 ou 30 anos? A presidente argentina é conhecida por ter afirmado que gostaria de tornar a Argentina num país parecido com a Alemanha, mas o caminho para se tornar numa Suíça ou numa Alemanha implica a adopção de instituições do tipo das suíças e das alemãs, que não é o que a Argentina está a fazer.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Cá como lá e de resto em quase toda a parte (quando se decide em causa própria e com o dinheiro dos outros)

Por cá:

Deputados contrariam Governo e protegem regime próprio dos funcionários parlamentares.

Por lá:

12 milhões de palavras depois (escritas), as misérias costumeiras do planeamento central

Este website é a pedra angular do "Affordable Care Act", comummente conhecido por "Obamacare", a maior intervenção socializante nos EUA, em matéria de saúde, desde meados da década de 60 do século passado (entre a lei aprovada e a sua regulamentação, a contagem já vai em cerca de 11500 páginas correspondendo a perto de 12 milhões de palavras!!). Custou até agora, estima-se, algo como 500 milhões de dólares! Não funciona. Desde que foi lançado, no dia 1 deste mês, os problemas têm sido tão graves que levaram a que o próprio Obama, em intervenção televisiva, manifestasse o seu profundo desagrado pelo (não) funcionamento do sistema; que fosse entretanto reunido um A-Team para endereçar as "falhas técnicas" e, nas últimas horas, que membros democratas do Congresso tenham solicitado a Obama o adiamento dos prazos de adesão ao programa (no mínimo irónico para quem fez um braço de ferro quanto ao imediato financiamento do programa durante a farsa do recente shutdown). Matéria mais que suficiente para mais um excelente programa de Jon Stewart.

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Vai de vento em popa

o guião para a "reforma do estado", como se pode constatar pela anunciada emissão de jogos de futebol proposta de redefinição do "serviço público" a prestar pela RTP. Fica assim melhor esclarecida a necessidade de aumentar o subsídio à RTP a "contribuição audiovisual".

França: a desenfreada marcha para o abismo

Em texto de ontem, Simon Black acha difícil acreditar no que o governo francês se propõe tributar (é bem possível que não esteja completamente a par do que se vai passando aqui pelo Rectângulo e Adjacentes...). Mas como ainda ontem me referia a outra monstruosidade (para)fiscal, no caso em Espanha, o que abaixo se descreve (numa tradução livre,da minha responsabilidade) é mais outra indicação da propensão pelo abismo que se apossou de boa parte dos governos do Ocidente: apesar da "austeridade", a despesa pública continua descontrolada e por conseguinte, não obstante o contínuo aumento de impostos, vem continuando a acumular uma já monumental dívida pública. Os seus governantes, ao mesmo tempo que fazem alarde de uma retórica mais ou menos tonitruante de "promoção do crescimento" e vão acenando com sucessivas "estratégias", "desígnios" e "planos", teimam em associar a uma fiscalidade de confisco uma regulamentação, em intensidade e extensão, cada vez mais asfixiante. O espaço de liberdade económica, cada vez mais exíguo, vem cobrando o seu preço - a estagnação económica.

Decididamente, isto não vai acabar bem.
22 de Outubro de 2013
Sovereign Valley Farm, Chile

No workshop que promovemos no Chile há alguns meses atrás, o membro do parlamento europeu, Nigel Farage, criticou o presidente francês, François Hollande, enquanto líder do bloco "do moderno Panteão dos idiotas que estão a administrar países pelo mundo fora..."

As mordazes observações de Nigel podem ser apreciadas a partir dos 35s do seguinte clip:


É certo que o presidente francês tinha introduzido recentemente um "imposto de ódio" sobre as pessoas com maior sucesso profissional, expulsando algumas das pessoas produtivas que [ainda] permanecem em França.

Este imposto de ódio era apenas a ponta do icebergue.

Senão, atente-se no que fizeram ou anunciaram apenas no último mês:
  1. Dobraram a sobretaxa sobre as empresas
  2. Não é suficiente que a França tenha uma das maiores taxas de imposto sobre as sociedades [equivalente ao nosso IRC] do mundo desenvolvido. Incidindo sobre esta, existe também uma sobretaxa, ou seja, um imposto sobre o imposto [algo de semelhante à nossa "derrama" estatal].
    E no início deste mês anunciaram planos para a DUPLICAR.
  3. Aumento das obrigações de reporte ao fisco
  4. Qualquer pessoa que alguma vez tenha criado uma empresa sabe que a nova empresa é como um bebé recém-nascido. É crítico que o foco se dirija ao seu crescimento, não ao preenchimento de um monte de papelada.
    O governo francês não quer saber disso para nada. De facto, recentemente, baixou o limiar para as obrigações de reporte, exigindo às empresas com vendas superiores a apenas 80 mil euros o envio  às autoridades fiscais de morosos e onerosos relatórios relativos ao IVA.
  5. Aumento das contribuições para a segurança social
  6. A França tem um dos mais falidos... e insustentavelmente generosos... sistema de pensões em todo o mundo.
    Mas ao invés de reformar completamente o sistema e esperar que as pessoas... de facto trabalhem após os 55 anos de idade, o governo decidiu elevar as contribuições para a segurança social. Mais uma vez.
  7. Imposto sobre bebidas energéticas
  8. Para não ficar atrás do imposto de Michael Bloomberg sobre as bebidas doces, em Nova Iorque, a Assembleia Nacional francesa propôs recentemente tributar as bebidas energéticas... em UM EURO (1,37 dólares) por lata.
  9. Impostos mais altos sobre a propriedade imobiliária
  10. No mês passado, o governo francês anunciou planos para rever os valores de avaliação dos imóveis em todo o país, o que serve de base a vários impostos sobre os prédios.
  11. Imposto sobre dados (o meu favorito)
  12. Esta é quase inimaginável.
    Naquilo que é uma das propostas de imposto mais absurdas na história, o governo francês defende agora a ideia de que se devem tributar as transferências de dados para fora da União Europeia. Na realidade, planeiam fazer esta proposta na Cimeira Europeia desta semana.
    Estranhamente, porém, não parecem sequer entender o que isso significa. Eles estão simplesmente desesperados para lançar impostos sobre alguma coisa... qualquer coisa. Como se fossem agora meros macacos a lançar dardos contra a parede [link inserido].
E estão a preparar-se para mais.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Espanha - Défice tarifário? Pois que se taxe o sol!

Fazendo jus ao princípio universal de actuação dos governos de «criar problemas para depois os "resolver"», o executivo liderado por Mariano Rajoy descobriu uma maneira de minorar os efeitos do gigantesco défice tarifário - actualmente na ordem dos 28 mil milhões de euros! - decorrentes da verdejante e irresponsável política energética adoptada desde 2003, que se tornou uma das imagens de marca dos governos de Zapatero (a par de aeroportos sem aviões e de troços de linhas de AVE (a sigla do TGV nos nossos vizinhos) sem passageiros...).

Repare-se que, conforme dados do próprio governo, que sendo o preço médio de produção do MW/h em Espanha de 50€, o preço é 90€ se a sua origem for eólica e de 450€ no caso de ser produzido a partir de painéis fotovoltaicos! E quanto à capacidade (nominal) de produção de electricidade os números são igualmente espantosos: para um pico de procura na ordem dos 43 GW, existe uma capacidade instalada de 100 GW, ou seja, 43%, o que demonstra uma ineficiência brutal de todo o sistema encarecendo-o brutalmente!

Quando se atinge o grau de loucura a que se chegou, ou melhor, que os governos deixaram chegar e promoveram, as propostas de solução (?!) são de tal modo exdrúxulas que nem se acredita, como esta de taxar todos os detentores de painéis solares, obrigando-os a ligar-se à rede eléctrica (e pagar o imposto respectivo) sob pena de suportarem multas de milhões de euros se não o fizerem.

Citação do dia (140)

"When you see that in order to produce, you need to obtain permission from men who produce nothing - When you see that money is flowing to those who deal, not in goods, but in favors - When you see that men get richer by graft and by pull than by work, and your laws don’t protect you against them, but protect them against you - When you see corruption being rewarded and honesty becoming a self-sacrifice - You may know that your society is doomed."
Ayn Rand

Exaltação da economia informal

Leio que Adolfo Mesquita Nunes, actual secretário de Estado do Turismo e suposto adepto de tendências liberais, tenciona "encontrar o melhor quadro legislativo para potenciar uma fiscalização mais eficaz [do "alojamento paralelo"] e que o regime seja suficientemente atractivo para que traga a economia informal para a economia formal".

Há décadas que vimos ouvindo este discurso que se destina a sancionar a contínua rapacidade fiscal do estado para mitigar o buraco previamente aberto pelo incessante aumento da despesa pública que, por regra, e maquiavelicamente, é desligado no tempo do efectivo aumento de impostos necessário ao seu financiamento. Pretendendo ser possível dar algo a alguém sem, em simultâneo, ter que o retirar a outro alguém, o recurso à "indolor" contracção de empréstimos é o percurso habitual (e o único que restava depois de termos aderido ao euro até que o crédito secou). Geralmente acompanhado pelo críptico chavão do "alargamento da base tributária", invocam-se ainda razões de "equidade" pois que, supostamente, "se todos pagassem o que deviam pagar, os que já pagam os impostos devidos pagariam menos". Tremenda falácia, esta, em que muitos continuam a cair já que de quanto mais impostos o estado se apossar, mais aumentará a despesa pública.

Ocorre-me uma passagem, lapidar, de uma entrevista que Orlando Vitorino, um injustamente esquecido filósofo português, deu ao Comércio do Porto, em Maio de 1985:
"Quanto à «economia paralela», começo por lhe observar que é, essa, uma designação eufemística. A sua designação correcta é a de «economia clandestina». Quer dizer: uma economia cuja actividade se exerce à margem das leis estabelecidas, o que é condenável. Mas se observarmos que essas leis são contrárias aos justos direitos dos homens, como o direito de cada um ser dono do que é seu, trabalhar no que entender, produzir o que quiser, vender e comprar por livre contrato, não ver extorquidos pelos impostos os seus salários e os seus lucros, então a economia clandestina nada tem de condenável, é um factor de prosperidade que está compensando os Portugueses dos erros da política económica do Estado, uma luta pela liberdade contra a servidão que conta já com um milhão de combatentes. A isto nos trouxe o socialismo: os Portugueses têm no Estado o seu primeiro inimigo!"

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Antes e depois

Por Michael Ramirez

Peter Schiff à RT: os EUA estão intoxicados em dívida

Como alguém comenta na página do YouTube onde o vídeo está publicado,
"How pathetic is it that as an American we must watch A RUSSIAN news outlet to see a journalist actually ask the correct questions? This sums up perfectly the malicious secrecy involved in the collaboration between the federal government, the American financial markets, and the American media who allows this partnership to operate in the shadows."
Mesmo sabendo nós que a RT está longe de ser alheia aos interesses de Putin, também creio que é exactamente assim. Grande entrevista de Peter Schiff!

domingo, 20 de outubro de 2013

Citação do dia (139)

O "sector privado" da economia é, de facto, o sector voluntário; e o "sector público" é, de facto, o sector coercivo.
Henry Hazlitt

sábado, 19 de outubro de 2013

Para salvar a Europa, libertem os mercados

Frank Hollenbeck, em artigo cujo título roubei para encimar este post - "To Save Europe, Free the Markets" -, exemplifica como seria possível, por exemplo no caso francês, induzir um real crescimento económico simplesmente deixando que o mercado relativo à utilização dos solos funcionasse de modo a satisfazer uma procura, real, pré-existente.

Hollenbeck também é de opinião que o tempo escasseia, à medida que a estagnação económica se prolonga e que a dívida pública cresce de forma generalizada no espaço europeu. O desastre, provavelmente épico, pode estar iminente pelo que importa tentar ainda evitá-lo. Mas não através de (ainda) mais "estímulos" de inspiração keynesiana e aumento de impostos, receita que nos conduziu à estagnação e à crise da dívida (v.g. os PEC de Sócrates). Há um outro tipo de austeridade possível que consiste em reduzir a despesa pública e, em simultâneo, reduzir os impostos. É a austeridade "austríaca", uma muito melhor alternativa à austeridade à la Angela Merkel (menos despesa pública e mais impostos).

Sendo certo porém que as verdadeiras reformas são politicamente difíceis (e até talvez impossíveis enquanto durarem certas trincheiras), a desregulação será, porventura, o caminho possível. É disto que trata o texto que se segue, realçando-se, como sempre, o papel dos "interesses especiais", do crony capitalism (expressão que optei por traduzir por capitalismo de compadrio). Não é, pois, o caminho do "estímulo".  É, pelo contrário, a tanto quanto possível sistemática destruição dos "estímulos" existentes.

A tradução do texto de Frank Hollenbeck é da minha responsabilidade.
"A estratégia económica europeia vigente consiste em protelar a resolução dos seus problemas. Os níveis de endividamento, em praticamente todos os países europeus, continuam a aumentar e o crescimento económico parece ter-se transformado numa memória há muito esquecida. O dia da verdade está aí ao virar da esquina, como Rudi Dornbusch uma vez avisou: "[a] crise demora muito mais tempo a chegar do que se pensa e, de repente, ocorre muito mais rapidamente do que se imaginaria, o que é quase exactamente a história do México [a "crise da tequilla", de 1994]. Ela demorou uma eternidade a chegar para, subitamente, ter bastado uma noite".

Para obter resultados efectivos rapidamente, os líderes europeus precisam de abandonar a austeridade [em rigor, o tipo de austeridade cf. explica o próprio Hollenbeck em artigo recente] e concentrar-se mais em políticas que possibilitem ao sector privado proporcionar os bens e serviços adequados a preços adequados.

Um bom primeiro passo, que até pode ser politicamente possível, seria o da alteração da legislação relativa à utilização do solo, e assim permitir aos proprietários de terrenos agrícolas dispor dos seus activos da melhor forma que entenderem. A legislação do uso do solo em França é um exemplo perfeito do pior planeamento ao estilo soviético. Tudo começou com uma lei de 1967 que exigia que as grandes cidades estabelecessem planos de zonamento [equivalentes aos nossos PDM]. No início, aqueles planos limitavam-se apenas às grandes cidades, mas rapidamente foram também estendidos à maioria das cidades. O quadro regulamentar relativo aos solos, ajudado pelas leis e regulamentos da União Europeia, explodiu durante as décadas de 1980 e 1990 com a criação de leis relativas às zonas litorais, às zonas húmidas, à biodiversidade, e às zonas de preservação da natureza. Os grupos ambientalistas foram instrumentais na promulgação de muitas dessas novas leis.

Todos estes regulamentos sufocaram a construção. De 1997 a 2007, a França teve uma bolha imobiliária, mas, ao contrário do que sucedeu em Espanha, houve muito pouca construção uma vez que as leis de zonamento deixaram muito poucos solos destinados à construção. Os preços da habitação aumentaram 140% durante este período, um crescimento 90% superior ao do rendimento das famílias. Contudo, o custo de construção aumentou apenas 30%. Isto foi, claramente, uma bolha relacionada com a utilização dos solos cuja principal causa foi a regulamentação respectiva.

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Primeiro, vagarosamente; depois, o turbilhão súbito

Finda, por agora, a pantominice mediática acerca do shutdown ("apagão") do governo federal e da (nova) elevação do limite de endividamento, deste modo prevenindo, num "dramático último momento", a catástrofe anunciada que impendia não apenas sobre os EUA mas sobre boa parte da humanidade, é tempo de procurar regressar à sanidade.

Assim, é de referir que o acordo alcançado no Capitólio, e visado na Casa Branca, em nada contribuiu para alterar os desequilíbrios gigantescos das finanças federais americanas (muito pelo contrário, vide Obamacare). Consequentemente, a dívida pública continuará a subir acentuando a sua já mais que insustentável trajectória e boa parte dela continuará a ser alvo de uma monetização pelo Fed (através da tecnologia da "printing press" que Ben Bernanke tanto elogiava) pelo que, por conseguinte, continuará a trajectória descendente do valor do dólar. Simon Black, na linha de um par de apontamentos que deixei recentemente aqui e aqui vê, entre outras, razões para valorizar o crescente incómodo das autoridades chinesas, aliás publicamente já assumido em termos vigorosos. Pareceu-me pois útil proporcionar uma tradução da sua missiva, enviada de Santiago do Chile, "Slowly at first, then all at once" até porque começaram a surgir sinais sérios que podem indiciar a intenção de implantar controlos de capitais dentro dos próprios EUA dificultando a movimentação de contas bancárias de e para o exterior.
17 de Outubro de 2013
Santiago do Chile

"Como é que foste à falência?", perguntou o Bill.

"De duas maneiras", respondeu o Mike. "Aos poucos e subitamente."

O diálogo acima faz parte do romance de Ernest Hemingway, de 1926, "O Sol também se levanta".

Ele é muitas vezes atribuído a Mark Twain ou a F. Scott Fitzgerald, ou mal citado como algo do género: "No início, entra-se lentamente em falência; de repente, tudo acontece de uma só vez". Mas o tema é o mesmo.

As nações entram em bancarrota da mesma maneira. Os colapsos bancários ocorrem da mesma maneira. As crises cambiais acontecem da mesma maneira. Todos estes casos acontecem gradualmente... até que, de súbito, tudo se precipita. Por vezes, de um dia para o outro.

A história é generosa em proporcionar exemplos de nações inteiras que sofreram este destino, do colapso da União Soviética, em 1991, à crise financeira do milénio na Argentina, em 2001.

Os sinais de alerta estão sempre lá, logo no início. Ao longo de um período de anos, às vezes de décadas, um pequeno gotejar de sinais de alerta transforma-se num fluxo constante... e, eventualmente, numa grande inundação.

Os Estados Unidos estão claramente dentro deste padrão, algures entre um fluxo constante e uma grande inundação. Isso é evidente.

Ontem à noite, depois de mais de duas semanas de um teatro absolutamente constrangedor, o governo da Terra dos Livres assinou um acordo para tudo adiar por mais alguns meses. E ao fazê-lo, foi estabelecido um precedente muito perigoso.

No âmbito da barganha codificada na HR 2775 (que o presidente Obama promulgou), o Departamento do Tesouro fica autorizado a SUSPENDER o limite de endividamento. Por outras palavras, para todos os fins e propósitos, não há agora NENHUM LIMITE à dívida pública [federal].

Esta autoridade ilimitada para contrair empréstimos expira a 7 de Fevereiro de 2014. Mas estabelece o precedente que ignorar o limite de endividamento é um curso de acção perfeitamente viável.

O Congresso eliminou eficazmente as algemas de que dispunha... pelo que se pode apostar com praticamente toda a segurança que aquela disposição será prorrogada e, a certa altura, se tornará permanente.

Na Terra dos Livres ninguém se parece importar. Mas não é o caso dos estrangeiros. A mensagem essencial do comentário dos media estatais chineses, há dias atrás, foi muito clara:
"É talvez um bom momento para que o mundo confuso comece a considerar a construção de um mundo desamericanizado".
A posição dominante da América está chegar ao fim. Praticamente todas as evidências objectivas apontam para esta conclusão - desde as absurdamente insustentáveis finanças ​​do governo dos EUA à reacção mundial contra as suas tácticas desesperadas de espionagem.

Há já vários anos que este declínio vem acontecendo gradualmente. Mas nós estamos rapidamente chegando ao ponto de bifurcação onde o fluxo constante de sinais de alerta se transformará numa torrente épica de consequências.

Com o desenrolar destes acontecimentos, isto tornar-se-á na maior história do nosso tempo. O fim da hegemonia do dólar dos EUA irá afectar praticamente cada ser humano do planeta. E se a história serve de guia, o que se seguirá será extremamente tumultuoso.

Simon Black

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Fez escola

Numa tão célebre quanto infame frase, Richard Nixon, durante uma famosa entrevista conduzida por David Frost, afirmou: "If the President does it, that means it is not illegal" (passível de tradução como "Se é o Presidente que faz (ou manda fazer) alguma coisa, isso significa que essa coisa não é ilegal").

Daí que o comentário perante títulos como este: On Wiretaps and Drone Strikes, It's Time for Liberals to Accept That Obama Is Worse Than Bush, que traduzem epifanias terrivelmente serôdias, só possa ser um: fez escola.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Sowell: Janet Yellen faz as perguntas certas mas dá as respostas erradas

Thomas Sowell é uma referência frequente por estas bandas ainda que eu nem sempre concorde integralmente com ele (por vezes, até discordo em absoluto). No entanto, a sua lucidez aliada a uma invulgar capacidade para colocar ao alcance do leigo questões que outros procuram furiosamente obfuscar, alegando que a complexidade exige a utilização de um linguajar inintelegível, a clareza dos seus textos é admirável. Como exemplar é o seu exercício permanente de fact-checking como forma de sustentar a sua argumentação e daí o recurso frequente que faz à análise dos factos históricos.

No texto que assina hoje na Townhall a propósito da indicação de Janet Yellen para chairman do Fed, escolheu para o seu título uma pergunta: "A Return to Keynes?". Há fortes razões para supor que a resposta seja afirmativa (como Ron Paul também o assinala) embora o simples exame histórico contemporâneo - revisitando mitos extraordinariamente resilientes - devesse ser suficiente para que o keynesianismo fosse morto e enterrado. De vez. Como pelo contrário assistimos ao seu constante ressurgimento, talvez a resposta possa estar em que mais que o keynesianismo seja o estatismo a doença cancerígena de que padecemos e cujas metástases não param de crescer, pelo menos nos países ocidentais (que vêm pagando com o seu secular declínio).

Como é habitual, a tradução é da minha responsabilidade.
"A nomeação de Janet Yellen para chefiar o Sistema de Reserva Federal desencadeou uma onda de histórias nos media. Uma vez que ela será a primeira mulher a ocupar esse cargo, apenas podemos que isso não vá significar que qualquer crítica ao que ela venha a fazer não seja atribuída a discriminação sexual ou a uma "guerra contra as mulheres".

A Reserva Federal tornou-se num jogador determinante na economia americana que necessita de muito mais escrutínio e crítica do que tem recebido, independentemente de quem a lidera.

Janet Yellen, um ex-professora de economia em Berkeley, proclamou abertamente as suas opiniões sobre política económica, opiniões que merecem uma análise muito cuidadosa. Ela pergunta: "Será que as economias capitalistas funcionam no pleno emprego, na ausência de uma intervenção permanente e rotineira [por parte do Estado]?" E ela responde: "Claro que não".

Janet Yellen representa o tipo de keynesianismo económico que em tempos foi amplamente dominante no domínio teórico e na política económica como se se tratasse de uma religião nacional - até encontrar duas coisas: Milton Friedman e a estagflação da década de 1970.

No auge da influência keynesiana, acreditava-se que os decisores políticos governamentais poderiam escolher um judicioso trade-off [uma solução de compromisso] entre a taxa de inflação e a taxa de desemprego. A este trade-off foi dado o nome de Curva de Phillips, em homenagem a um economista da London School of Economics [que desde então nunca mais se ouviu falar...].

O professor Milton Friedman, da Universidade de Chicago, atacou a Curva de Phillips, nos planos teórico e empírico. Quando o professor Friedman recebeu o Prémio Nobel de Economia - o primeiro de muitos a ir para os economistas de Chicago, que eram os principais críticos da economia keynesiana - pareceu que a ideia da existência de um trade-off entre a taxa de inflação e a taxa de desemprego tivesse sido abandonada.

O descrédito último da teoria da Curva de Phillips foi o aumento da inflação e do desemprego, em simultâneo, na década de 1970, no que veio a ficar conhecido por "estagflação" - uma combinação de inflação crescente e de uma economia estagnada, com elevado desemprego.

Não obstante, os economistas keynesianos encenaram um regresso político durante a administração Obama. A nomeação de Janet Yellen para dirigir a Reserva Federal é o exemplo que coroa aquele regresso.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Crónica de um default anunciado ou a insensibilidade social da aritmética

Por João Caetano Dias.

A coisa é provavelmente mesmo a sério

O artigo de Patrick Barron saíu com um timing perfeito a avaliar por estes dois posts de ontem no ZH :

China's Official Press Agency Calls For New Reserve Currency, And New World Order
China Imports Over 2,000 Tons Of Gold In Last Two Years

A bomba nuclear do FMI: um confisco generalizado

Recorro com frequência à leitura dos escritos de Juan Rámon Rallo, doutor em economia, colunista e director do Instituto Juan de Mariana, com sede em Madrid, para tentar não me deixar adormecer pelo torpor e engano. Tendo ainda ontem aqui recordado qual foi a origem do FMI (como já tinha feito com Rallo neste curto vídeo), vem a talhe de foice assinalar a publicação de dois documentos pelo FMI onde se aventa a hipótese de avançar com um imposto sobre a riqueza das famílias como forma de "resolver" a gigantesca dívida pública acumulada (que não pára de subir tanto em Espanha como em Portugal). Num artigo cujo título roubei para encimar este post, Rallo volta a profetizar que "a insustentável acumulação de dívida pública terminará com o saque dos cidadãos", encontrando nos próprios documentos do FMI uma sustentação à outrance dessa tese. Rallo escreve especificamente sobre o caso espanhol mas a situação espanhola não difere muito da nossa pelo que me pareceu útil promover a divulgação do seu artigo. A tradução é da minha responsabilidade.
"O FMI, essa daninha burocracia internacional que deveria ser encerrada o mais rapidamente possível, alertou na semana passada para os problemas de sustentabilidade da dívida das empresas em Espanha, Itália e Portugal. No juízo desta organização [documento 1], a alavancagem de uma parte das nossas empresas continua demasiado elevada para que possam, folgadamente, fazer frente às suas obrigações; debilidade financeira que, por sua vez, continua a comprometer a credibilidade e a solvência dos seus principais credores, ou seja, dos nossos bancos.

Documento 1
Não tardou que a imprensa aproveitasse as críticas do FMI para repetir essa litania tão recorrente nos últimos anos: os problemas de Espanha devem-se à sua dívida privada, não à sua dívida pública. Litania que, com o passar dos anos, se foi revelando bastante menos certeira: sim, a crise deveu-se a uma acumulação desproporcionada de dívida privada orquestrada por esse monopólio público chamado banco central; e sim, mesmo hoje o nosso sobreendividamento privado continua a ser um dos principais responsáveis pela nossa estagnação; mas o problema do endividamento privado irá permanecer, ano após ano, um problema comparativamente menor face ao cada vez mais explosivo problema da dívida pública.

Sem ir mais longe, no final de 2008, 48% de toda a dívida não financeira de Espanha era dívida das empresas; 34% era dívida das famílias e apenas 18% era dívida pública. Desde então, porém, a situação mudou radicalmente: a dívida das empresas e das famílias diminuiu em 325 mil milhões de euros, enquanto a do Estado aumentou em 515 mil milhões. Note-se, de resto, que se trata de dívida não financeira, ou seja, dívida que não inclui a dos bancos (não é verdade, portanto, que a dívida privada se tenha reduzido quando a dívida pública aumentou em resultado dos resgates [bancários]). Temos assim que a dívida das empresas representa hoje 36,3% do total, a das famílias 28,5% e a pública 35,2%. O mais preocupante, no entanto, é que esta última continua a crescer à velocidade de cruzeiro, sem que se antecipe um fim para esta tendência.

domingo, 13 de outubro de 2013

E, resumindo, é isto

que Alberto Gonçalves bem caracteriza na sua crónica de hoje - A RTP, símbolo da nação. Alguns excertos:
(...) Para tentar sossegar o estrangeiro, o Dr. Passos Coelho anuncia alterações estruturais que nunca lhe ocorreu implantar. Para tentar sossegar o eleitorado, o Dr. Portas anuncia o advento da bonança. Ambos mentem com quantos canais têm na RTP. Até agora, havia nove. Após anos de estudos e ponderações, o ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional explicou que a RTP fica melhor com treze.

Não, não desviei o assunto. Se serve para alguma coisa, a RTP serve de perfeito exemplo do modus operandi do Governo. Primeiro, declara-se a vontade de privatizar a televisão pública inteirinha, conforme a lucidez e a falência pátria recomendam. Depois, adia-se a privatização da empresa e passa a falar-se no fecho da RTP2, que todos sabem representar a maior fatia do esbanjamento daquilo. Em seguida, enterra-se o assunto. Por fim, desenterra-se o assunto, agora embelezado por um aumento de 20 ou 30 por cento na taxa do audiovisual e pela luminosa ideia dos quatro novos canais, dedicados "às áreas infanto--juvenil, música, educação e sociedade civil". O Dr. Poiares Maduro jura que a oferta actual é, cito, "insuficiente" (...)

Em suma, há um Executivo empenhadíssimo em proceder a numerosas operações estéticas a fim de parecer reformar o Estado. Há um Tribunal Constitucional (e uma Constituição) que corrobora a farsa, "provando" que o Governo fez o que pôde de modo a reduzir o Estado. Há uma oposição que, sem se rir, acusa o Governo de reduzir o Estado. E há, contas feitas, um Estado perpetuado na capacidade de alimentar os que melhor o usam. Os contribuintes, distantes destes arranjos, pagam-nos mansamente. Vale que alguns dos contribuintes são alemães, pelo que a mansidão está em risco. E os arranjos também (...)

Citação do dia (138)

"A thief is more moral than a congressman; when a thief steals your money, he doesn't demand you thank him."
Walter E. Williams

Quanto mais tempo irá o dólar manter-se como moeda de reserva?

É esta a pergunta que titula o artigo de Patrick Barron publicado ontem no Mises Institute e que me propus traduzir por abordar uma das questões centrais da evolução próxima da economia mundial: o ameaçado estatuto do dólar enquanto "moeda de reserva" - inteiramente decorrente das decisões de política monetária que o Fed tem praticado, particularmente desde o fecho da "gold window" -, e as consequências que daí poderão advir para os Estados Unidos e para todo o mundo. É provável que a recente nomeação, ainda a confirmar pelo Senado, de Janet Yellen para chairman do Fed apenas venha a acelerar as mudanças que são já sensíveis (e que Barron assinala no seu texto), pois não será de esperar outra coisa do seu mandato senão "mais do mesmo, em maior quantidade" - planeamento central monetário.
Quanto mais tempo irá o dólar manter-se como moeda de reserva?

Usamos a expressão "moeda de reserva" quando nos referimos à utilização corrente do dólar por outros países para saldar as suas contas no comércio internacional. Por exemplo, se o Canadá comprar produtos provenientes da China, poderá pagar em dólares, em vez de dólares canadianos, e vice-versa. Todavia, a base a partir da qual se originou a expressão já não existe [a ligação do dólar ao ouro], e hoje o dólar é denominado de "moeda de reserva" apenas porque os países estrangeiros detêm grandes quantidades de dólares para facilitar o comércio.

A primeira moeda de reserva foi a libra esterlina britânica. Porque a libra era tão "boa quanto o ouro", muitos países consideraram, durante a era do padrão-ouro, que seria mais conveniente deter libras em vez do próprio ouro. As grandes nações comerciais do mundo utilizavam o ouro como forma de pagamento no comércio internacional, mas elas podiam optar por deter libras em vez de ouro, confiando que o Banco de Inglaterra entregaria o ouro correspondente, a uma taxa de câmbio fixa, mediante a apresentação das libras. Perto do fim da II Guerra Mundial, foi atribuído ao dólar dos EUA esse estatuto através de um tratado internacional, na sequência do Acordo de Bretton Woods. O Fundo Monetário Internacional (FMI) foi formado com o expresso propósito de monitorizar o compromisso da Reserva Federal para com Bretton Woods assegurando que o Fed não inflacionaria o dólar e respeitaria o compromisso de trocar dólares por ouro ao câmbio de 35 dólares americanos por onça. Desta forma, os países confiavam que os dólares que detinham para fins comerciais eram tão "bons quanto o ouro", como tinha ocorrido em tempos com a libra esterlina.

Todavia, o Fed não manteve o seu compromisso para com o Acordo de Bretton Woods e o FMI não tentou forçá-lo a deter o ouro suficiente para honrar, em ouro, toda a sua moeda em circulação, ao câmbio de 35 dólares por onça. O Fed foi testado nos finais da década de 1960, primeiro pela França e depois por outros países, até que as suas reservas de ouro atingiram níveis tão baixos que só lhe restavam duas alternativas: ou revalorizar o dólar a uma taxa de câmbio mais alta, ou revogar as suas responsabilidades quanto a honrar a troca, integral, de dólares por ouro. Para sua vergonha eterna, os EUA escolheram a última opção e "saíram do padrão-ouro" em Setembro de 1971.

Não obstante, o dólar continuou a ser utilizado pelas grandes nações comerciais, porque ainda executava a função útil de meio de pagamento no comércio internacional. Não havia outra moeda que pudesse ombrear com o dólar, apesar do facto de ele ter sido "desligado" do ouro.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

A elegância da proboscídea

Expresso: Governo pondera novos canais para a RTP

A este anúncio, o ministro Poiares Maduro também acrescentou que a RTP1 "continuará a ser dirigid[a] para o grande público, devendo servir de regulador de qualidade, competindo com os outros canais com uma programação diferenciadora e inovadora" enquanto a RTP2 terá uma "identidade mais clara com forte [ê]nfase cultural".

Rui A não exagera quando titula que o paquiderme continua a engordar enquanto, desavergonhadamente, o Governo pretere minimizar os cortes nas pensões a manter, anafada, a proboscídea estatal.

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Nota: no dia 1 de Outubro de 2012, escrevia por aqui:
Já não falta muito para o governo "concluir" que é melhor deixar tudo como está (após uma optimizaçãozita ali e uns cortezitos acolá).

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Estranha austeridade na esfera do estado

BdP pede corte na despesa que permita redução “duradoura” da carga fiscal

A avaliar pelos dados da tabela abaixo, retirada da página 31 do Boletim Económico de Outono de 2013, o Banco de Portugal tem muito que "pedir" [ao Governo] pois a verdade é que a despesa pública não cessa de subir com a particularidade de estar a crescer a metade da taxa (2,7% contra 5.4%) a que cresce a receita pública! Estranha austeridade, a do estado.


Citação do dia (137)

"O socialismo, como as velhas ideias de onde é originário, confunde o Governo com a Sociedade. É por isso que, de cada vez que nos opomos a que uma coisa seja feita pelo Governo, os socialistas concluem que nos opomos a que ela seja feita de todo. Não concordamos com a educação estatal; como tal, os socialistas dizem que nos opomos a qualquer tipo de educação. Não concordamos com uma religião do Estado; então, os socialistas dizem que não queremos nenhuma religião. Não concordamos com uma igualdade imposta pelo Estado; pelo que somos contra a igualdade, etc. É como se os socialistas nos acusassem de não querer que as pessoas comessem por não concordarmos com que o estado cultive cereais."
Frédéric Bastiat

Ciclos económicos e arranha-céus

Doug French, usando uma ferramenta de análise desenvolvida por Mark Thornton em "Arranha-céus e ciclos económicos", alerta para a existência de um sinal de alerta vermelho - a possibilidade de uma forte correcção bolsista num prazo não muito distante em Skyscraper Index is Flashing Red Alert, publicado no Insituto Mises do Canadá.

Ainda que o quadro conceptual usado nesta previsão possa ser tida por alguns como, digamos, algo exótico, creio bem que ela está em linha com as análises de outros analistas que, com regularidade, daqui tenho dado eco (entre outros, Marc Faber, Jim Rogers, Peter Schiff, Jim Grant, Doug Casey ou Simon Black). A responsabilidade pela tradução que se sege é, como habitualmente, minha.
O Índice de Arranha-céus está vermelho intermitente

Coloquem os vossos capacetes, pois há um colapso que se aproxima. Os promotores afadigam-se para construir o prédio mais alto do mundo. A economia da China pode estar a abrandar, mas 60 dos 100 mais altos edifícios em construção no mundo estão lá localizados.

O Broad Group está a construir o prédio mais alto do mundo em Changsha, capital da província de Hunan. A empresa iniciou a escavação das fundações do edifício "Sky City", de 202 andares, nos finais de Julho. Normalmente, apontar-se-ia para que a conclusão do Sky City, com uma altura de 838 metros, estivesse a anos de distância da sua conclusão. Mas este é um edifício para ser concluído em apenas quatro meses, utilizando módulos pré-fabricados.

O presidente do Broad Group, Zhang Yue, atrasou um pouco o projecto, por razões de segurança, mas promete terminá-lo em Junho ou Julho do próximo ano. "Quaisquer que sejam as dimensões dos obstáculos, irei com toda a certeza superá-los para garantir que este projecto seja concluído", declarou Zhang ao jornal The New York Times.

A relação entre os arranha-céus e os crashes bolsistas foi exposta no artigo "Arranha-céus e ciclos económicos", pelo professor Mark Thornton, publicado na edição da Primavera de 2005 do The Quarterly Journal of Austrian Economics [link].

Thornton, utilizando o "Índice de Arranha-céus" [link] do economista Andrew Lawrence em conjugação com a teoria austríaca dos ciclos económicos, veio a descobrir que o índice de arranha-céus é um bom preditor [i.e., um "indicador avançado"] de crise económicas e que "quer as causas dos arranha-céus atingirem novos recordes de altura quer as dos severos ciclos económicos estão relacionadas com a instabilidade no financiamento da dívida...".

O primeiro "ciclo de arranha-céus" iniciou-se em 1904 em Nova Iorque, quando começou a construção do edifício Singer, de 47 andares, e do edifício de 50 andares da Metropolitan Life. Este boom de construção foi rapidamente seguido pelo Pânico de 1907 [link].

Nos finais da década de 1920, Wall Street vivia a euforia. Três torres recordistas - Wall Street 40, Chrysler Building, e o Empire State Building - iniciaram a sua construção, ainda que só viessem a ser concluídas após o crash da bolsa de 1929 e o início da Grande Depressão. O Empire State Building foi concluído em 1931. Inicialmente apelidado de "Empty [vazio] State Building", levou cerca de duas décadas a para que fosse totalmente ocupado.

O terceiro ciclo começou com o início da construção da Torre Sears, em Chicago, em 1970, e do World Trade Center, em Nova Iorque, cuja construção se iniciou em 1966. Quando finalmente esses projectos se concluíram, a economia dos EUA viu-se mergulhada na estagflação.

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Ciência ou mero lobby?

Poucas pessoas como Christopher Booker terão tamanha autoridade para perspectivarem o "drama" a que assistimos nas duas últimas semanas, relativamente à publicação do novo Assessment Report do IPCC (o 5º, ou AR5, depois dos de 1991, 1996, 2001 e 2007), em particular quando em boa parte se trata de mera reprise, como faz recordar na sua mais recente crónica no Telegraph. Presença frequente por aqui, Booker, em mais de 50 anos de profissão, sempre se reclamou como perseguindo o senso comum, rejeitando todo o injustificado alarmismo. (A tradução que se segue da sua crónica é da minha responsabilidade.)
"No fim-de-semana passado, algo de muito estranho aconteceu. Na Sexta-feira, fomos informados que em Estocolmo o Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas (IPCC) havia publicado um relatório onde se afirmava que era agora "extremamente provável" que o mundo venha a enfrentar alterações climáticas desastrosas provocadas pela actividade humana. Mas este era apenas um "sumário" destinado aos políticos e aos media de um relatório científico que só viria a ser publicado três dias depois.

Em seguida, ficámos a saber que este "sumário para decisores políticos" tinha sido debatido ao longo de dias e noites sem dormir por centenas de políticos, funcionários e cientistas, mas, estranhamente, que o relatório científico que ele supostamente resumia tinha sido posteriormente alterado para ficar "alinhado" com o sumário. Uma alteração evidente face a versões anteriores foi a acentuada minimização da importância ou a qualquer referência à forma notável como, nos últimos anos, as temperaturas globais se recusaram a subir segundo as previsões dos modelos computacionais do IPCC.

Esta foi uma misteriosa repetição do primeiro escândalo a atingir o IPCC, em 1996, quando mais uma vez o "sumário" brandido pelos políticos e por alguns cientistas-chave foi modificado para o tornar mais alarmista do que o próprio relatório ao inserir a alegação de que havia agora "uma influência humana perceptível" sobre o clima do mundo.

Cientistas que tinham aprovado o relatório protestaram por nada haver no seu texto que justificasse aquela inserção. Mas, para seu espanto, descobriram que a versão com que tinham concordado tinha sido alterada para incluir esta mesma frase, citando como [fonte de] autoridade dois trabalhos que não tinham ainda sido publicados, da autoria de Ben Santer, um cientista americano que também tinha desempenhado um papel fundamental na elaboração do sumário.

Há alguns anos atrás, quando estava a fazer investigação para uma história detalhada do alarme em relação ao aquecimento global, poucas coisas me surpreenderam mais do que descobrir quão descontroladamente enganadora era a imagem transmitida ao mundo do IPCC como um corpo genuinamente científico, que desapaixonadamente avaliava o conhecimento actual de todos os factores que afectam o nosso clima. O IPCC foi criado em 1988 por um pequeno grupo de cientistas que já então estavam totalmente convencidos de que o aumento dos níveis de CO2 era o factor primordial que causava a subida das temperaturas globais. Eles eram liderados pelo Prof. Bert Bolin, nomeado como o primeiro presidente do IPCC, e pelo Dr. John Houghton, então chefe do UK Met Office, o qual, durante 14 anos, permaneceu à frente do seu central Grupo de Trabalho 1, responsável pela elaboração de relatórios sobre a ciência climática.

No futuro isto será visto retrospectivamente como o mais espantoso exemplo na história de como o prestígio da "ciência" pode ser utilizado para promover um específico sistema de crenças, no caso com a ajuda daqueles distorcidos modelos computacionais cada vez mais em dissonância com a evidência observada.

Tudo isto não seria tão grave se o IPCC não tivesse sido vendido ao mundo, e com tanto sucesso, como um organismo científico objectivo e não apenas como um grupo de pressão política, porque ninguém tão prejudicialmente atingido como todos aqueles crédulos políticos que utilizam o falso prestígio do IPCC para justificar fazer recair sobre nós algumas das mais desastrosas e infundadas políticas a que o mundo alguma vez assistiu."

sábado, 5 de outubro de 2013

Citação do dia (136)

"How can I possibly put a new idea into your heads, if I do not first remove your delusions?"
Robert Heinlein

Quando o entrevistado dá uma lição de jornalismo e verticalidade à entrevistadora

O entrevistado é Glenn Greenwald que se pronuncia sobre o "caso" Edward Snowden e, portanto, sobre as actividades de espionagem (domésticas e internacionais) da NSA, mas também sobre o GHCQ (o equivalente da NSA no Reino Unido). Imprescindível ver para quem pretender melhor discernir o que é e como age um jornalista verdadeiramente independente e corajoso perante o Estado de vigilância, mesmo quando é directamente visado por este (via EPJ).


Leitura complementar: Why the NSA's attacks on the internet must be made public

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Por que é o gás natural 3 vezes mais caro na Europa que nos EUA?

Para além da vantagem estratégica que a geografia lhe confere, e de que a Rússia, através da Gazprom, pretende continuar a tirar partido (praticando preços "altos"), parte importante da explicação reside no facto de a shale revolution que vem ocorrendo nos EUA (de que Matt Ridley aqui falava) não ter ainda chegado à Europa (por mera agenda política dos governos europeus, ainda inebriados no delírio das renováveis). Ao que precede, acrescem as decisões idiotas das administrações americanas de tudo fazerem para dificultar a exportação de gás natural no modo liquefeito (LNG na sigla inglesa), invocando razões "estratégicas" de "segurança nacional de abastecimentos".



Preços mundiais do Gás Natural Liquefeito, Outubro de 2013

Gráficos retirados do blogue do Prof. Mark Perry.

Energia barata ou energia verde - é impossível ter ambas as coisas

Já tinha pensado em publicar uma tradução do texto que Matt Ridley assinou na sua coluna regular no Times londrino, no passado dia 26 de Setembro - "Cheap energy or green energy - you cannot have both". Esta notícia de ontem convenceu-me que havia utilidade em fazê-lo. É uma história dolorosamente parecida com a nossa aquela que Ridley conta relativamente ao Reino Unido, ilustrando na perfeição o conúbio, que tantas vezes aqui tenho referido, entre os governos e os interesses especiais, no caso as empresas do sector energético. Apesar da propaganda, as "rendas excessivas" não nasceram do céu; antes foram proporcionadas, propositadamente, pelos governos às empresas que Henrique Neto apontava como pertencendo ao "regime". Vale a pena ler Matt Ridley para melhor ficar a perceber a mecânica da coisa e ilustrar o que é o crony capitalism.
A hipocrisia pode ser uma coisa fantástica quando bem feita. Passar, como sucedeu com Ed Miliband, em quatro anos, do ministro que insistia em que os preços da energia deviam subir - de modo a que os não-competitivos produtores de energia verde pudessem ser atraídos para o fornecimento de electricidade - para passar a ser o líder da oposição que defende o congelamento dos preços da energia é uma dupla pirueta de tal ordem que faria inveja a Torvill e Dean [famoso par inglês de patinagem artística no gelo nos finais nos anos do séc. XX].

Recorde-se que este é o próprio arquitecto da nossa actual política energética, o homem que manobrou a suicidariamente dispendiosa Lei das Alterações Climáticas através do parlamento; o homem que ainda esta semana se comprometeu a descarbonizar toda a economia britânica (não apenas o sector eléctrico) em 2030, o que significa que não será permitido a ninguém que aqueça a sua casa usando gás.

Terá ele comparado, recentemente, o preço do aquecimento eléctrico com o do aquecimento a gás? A diferença tenderá a crescer cada vez mais. Em 2030, grande parte da electricidade virá, em teoria, das eólicas offshore, a quem está prometido um preço três vezes maior do que é pago às centrais a gás na produção de electricidade. Assim, Miliband está a dizer-nos para triplicar, e congelar, as nossas facturas de aquecimento ao mesmo tempo.

"Não existe um futuro com energia de baixo custo", afirmou Miliband enquanto Secretário de Energia, em Julho de 2009, insistindo para que aprendêssemos a viver com preços da energia mais elevados. "Podemos trabalhar juntos a partir deste congelamento de preços para fazer funcionar o mercado no futuro. Ou podemos reforçar na opinião pública a ideia que vós sois parte do problema e não da solução", palavras de Miliband, o líder da oposição, ameaçando ontem [25 de Setembro de 2012] as empresas produtoras de energia eléctrica.

Num presciente parágrafo intitulado "E adivinhem quem vai levar um tiro?", um relatório de Abril do Liberum Capital [um banco de investimentos], sugeria que quando a crise do preço da energia chegasse, o governo da altura iria fazer recair a maior parte da dor financeira nos investidores insistindo para que estes cortassem nos seus lucros. Esse dia chegou, bem cedo. Miliband efectivamente admitiu que tentará eliminar o [ou pelo menos parte do] retorno dos investidores sobre o capital em vez de assumir quaisquer culpas pelas enormes facturas que irão conduzir as pessoas à pobreza energética.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Como quase sempre tudo acaba onde os governos intervêm

Governo avança com cortes nas rendas pagas aos produtores de energia (supõe-se que no quadro do OE para 2014), anúncio que já motivou uma primeira reacção por parte da EDP, via Eduardo Catroga: "Não acredito que o Governo tenha vendido gato por lebre”, aludindo às condições em que decorreu a recente privatização da EDP.

Mesmo sem se conhecerem os detalhes dos "cortes" - e o diabo está quase sempre nos detalhes - arriscaria um primeiro comentário:
O governo não se incomoda que os portugueses e as empresas sedeadas no país paguem um preço mais elevado do que deveriam na sua factura energética; apenas se preocupa com os lucros "excessivos" obtidos pelas empresas produtoras de energia os quais só são possíveis pelas opções governamentais seguidas (anteriores e actuais) na manipulação política dos preços  da energia (também conhecida pela "política energética").

E assim se apropria o governo de parte do sobrecusto energético sofrido pelos consumidores, industriais e domésticos, causado por uma política energética insane resultante no essencial do desvario "renovável". Enfim, para os que não estão distraídos, apenas mais do mesmo.

Concorrência sim, mas não tanta!

Jornal de Negócios:

Serão as armas o problema?

O Prof. Walter Williams volta a debruçar-se sobre o tema do controlo de armas em "Are Guns the Problem?" fazendo, como é nele habitual, recurso à hard evidence (à prova dos factos) para colocar perguntas incómodas aos estatistas (e.g., "progressistas") que têm a presunção de poder comandar e regular os comportamentos humanos pela via da legislação, o mesmo é dizer, da coerção, ao invés da promoção de valores morais que provaram com a decantação do tempo (a escola pública encarrega-se disso). Tal como com as drogas, vã tentativa. A tradução do seu texto é da minha responsabilidade.
Walter E. Williams
"De cada vez que acontece uma tragédia na sequência de um tiroteio, surgem mais apelos ao controlo de armas. Examinemos alguns factos históricos. Em 1910, a Associação Nacional de Armas [NRA] conseguiu criar 73 clubes de tiro, seus afiliados, no ensino secundário. A segunda edição do Manual do Escuteiro, de 1911, tornou a qualificação no programa de tiro júnior da NRA numa condição prévia para a obtenção de uma medalha de mérito de boa pontaria. Em 1918, a empresa Winchester Repeating Arms Co. estabeleceu a sua própria Winchester Junior [meu realce] Rifle Corps. O programa cresceu para 135 mil membros em 1925. Na cidade de Nova Iorque, abriram clubes de tiro em diferentes escolas secundárias - Boys, Curtis, Commercial, Manual Training e Stuyvesant. Com tantas armas nas mãos de jovens, observaram-se então os níveis de violência juvenil que vemos hoje?

E quanto à disponibilidade de armas? Os catálogos e revistas das décadas de 1940, 1950 e 1960 estavam cheios de anúncios de armas dirigidas às crianças e aos pais. Por exemplo, "O que cada pai deve saber quando um menino ou menina quer um arma" foi publicado pela Fundação Nacional dos Desportos de Tiro. O catálogo de vendas por correspondência da Sears, de 1902, tinha 35 páginas de anúncios de armas de fogo. As pessoas limitavam-se a enviar o seu dinheiro e a receber uma arma de fogo de volta pelo correio. Durante a maior parte da nossa história, uma pessoa podia simplesmente entrar numa loja, praticamente em qualquer lugar no nosso país, e comprar uma arma. Poucos estados se incomodavam sequer em impor restrições de idade relativas à compra de armas.

Estes e outros factos históricos deveriam fazer com que nos interroguemos: por que razão - num momento da nossa história quando as armas estavam prontamente disponíveis, quando a uma pessoa apenas bastava entrar numa loja ou encomendar uma arma pelo correio, quando não havia verificação de antecedentes criminais pelo FBI, nem períodos de espera, nem exigências de licenciamento - não havia então a frequência e o tipo de violência armada que às vezes observamos hoje, quando o acesso às armas está mais restringido? As armas são armas. Se elas fossem capazes de assumir comportamentos, como algumas pessoas parecem sugerir, deveriam ter feito então o que estão a fazer agora.

Os costumes, as tradições, os valores morais e as regras de etiqueta, e não apenas as leis e regulamentos governamentais, são o que fazem uma sociedade civilizada, não as restrições relativas a objectos inanimados. Estas normas de comportamento - transmitidas pelo exemplo, pela palavra boca a boca e pelos ensinamentos religiosos - representam um corpo de sabedoria destilada através de séculos de experiência, de tentativa e erro, e pela observação do que funciona. O benefício de haver costumes, tradições e valores morais como um meio de regular o comportamento é que as pessoas se comportam devidamente mesmo quando ninguém as está observando. Por outras palavras, é a moralidade que é a primeira linha de defesa da sociedade contra o comportamento incivilizado.

Os padrões morais de conduta, bem como a punição rigorosa e rápida de comportamentos criminosos, têm estado sob cerco no nosso país há mais de meio século. Os valores morais absolutos foram abandonados como um princípio orientador de vivência. Fomos ensinados a não fazer julgamentos, que um estilo de vida ou valor é tão bom como qualquer outro. Mais frequentemente do que não, o ataque aos padrões morais tem sido orquestrado pelo establishment educativo e pelos progressistas [progressives]. A polícia e as leis nunca poderão substituir essas restrições sobre a conduta pessoal de modo a produzir uma sociedade civilizada. Na melhor das hipóteses, a polícia e o sistema de justiça criminal são a última linha desesperada de defesa de uma sociedade civilizada. Quanto mais incivilizados nos tornamos mais leis são necessárias para regular o comportamento.

O pior é que, em vez de se tentar regressar ao que funcionava, os progressistas querem substituir o que funcionava com o que soa bem ou parece plausível, como mais cadeados nos armeiros, maiores períodos de espera e leis mais restritas relativas à posse de armas. Depois há as insanes "soluções" progressistas, como a "tolerância zero" para com os jogos no recreio das escolas nos intervalos das aulas como brincar aos polícias e ladrões e aos cowboys e aos índios e a gritar "bang bang", desenhar uma pistola, imitar uma arma a partir de peças de Lego, e cortar com os dentes um biscoito [Pop-Tart] na forma de uma arma [link]. Esse espécie de loucura pura - que se concentra sobre um objecto inanimado como uma arma ao invés de se concentrar na moralidade, auto-disciplina e carácter - irá continuar a produzir resultados decepcionantes."