Devo dizer que simpatizo com o jornalista Henrique Monteiro mas já não é a primeira vez que me defronto com escritos seus que veiculam falácias muito perigosas no domínio da Economia. A sua coluna de hoje no Expresso é disso exemplo, como o seguinte trecho demonstra (realce meu):
«Por um reflexo próprio de quem não quer saber de más notícias, raramente olhamos o resto do mundo e reconhecemos que a matéria-prima barata por nós controlada [países ocidentais], acabou; que a pressão sobre o custo dos alimentos aumenta, à medida que mais gente na China, na Índia, no Brasil, por todo o lado, vai saindo da miséria; que a globalização está a nivelar o mundo - que um lado fica mais rico e, como é óbvio, do nosso lado fica mais pobre.»
Henrique Monteiro, in Expresso, 26-05-2012
Passo por cima de afirmações sobre o "controlo" das matérias-primas, ainda que tenha acabado de ler
isto no Washington Post; passo por cima da "pressão sobre o custo dos alimentos" quanto se há algo notável a assinalar nos últimos duzentos anos é o secular declínio dos
preços relativos da alimentação face ao "cabaz" de produtos à disposição dos consumidores.
Já não posso é deixar passar incólume a implicação directa da afirmação realçada segundo a qual, em resultado da crescente divisão internacional do trabalho e, por consequência, dos crescentes volumes do comércio à escala mundial, para que uns fiquem mais ricos outros teriam supostamente que ficar mais pobres. Nada de mais falso! Numa transacção voluntária, as partes que nela participam ficam sempre a ganhar. Caso tal não sucedesse, a transacção não ocorreria. Se eu que vou beber um café o valorizasse exactamente da mesma forma de quem mo vende, não o beberia. É precisamente por eu valorizar o café acima do preço que mo querem vender que eu o compro. O inverso é igualmente verdadeiro para quem mo vende. Mesmo numa economia em que não haja dinheiro, ou seja, em que se pratique a troca directa, permanece válido este facto: se alguém tem uma vaca e pretende trocá-la, digamos, por duas ovelhas é que esse alguém prefere, num dado momento, as ovelhas à vaca; o inverso se passa para o proprietário das ovelhas que esteja interessado, no mesmo momento, em efectuar a transacção.
A falácia exposta evidencia a persistência dos mitos mercantilistas apesar de mil vezes refutados. Segundo esta doutrina exportar seria uma coisa boa enquanto importar seria algo de mau. Não admira que, modernamente, tenham sido os estados totalitários a adoptarem de forma acérrima tão nefastas doutrinas, porque inibidoras do crescimento e do desenvolvimento económicos. Não admira pois que, historicamente, o mercantilismo tenha sido a doutrina económica favorecida pelos estados totalitários, de Mussolini e Hitler, de Stalin, Mao ou Castro (e também tenha estado bem presente na germinação da guerra civil americana).