Não me interessa abordar se Passos Coelho prometeu o que não podia e disse que não ia fazer o que fez ou que acabou por fazer o que não tinha prometido ou perorar sobre o permanente desastre comunicacional a que preside. O que me interessa assinalar, quando me parece estarmos à beira de uma implosão social e política, é que, quinze meses volvidos, se confirmou o que antevia quando li o primeiro
DOE: o Governo, ao não querer reformar verdadeiramente o Estado, não ia ser capaz de curar a sua elefantíase que assim me parecia que iria prosseguir, no essencial, incólume.
Para quem estivesse interessado em falar verdade, à míngua de um celestial milagre, os cortes nos salários das funcionários das administrações públicas, dos organismos que compõem o "Estado paralelo" e das empresas públicas eram não só inexoráveis como teriam que ser profundos. Tal como inevitável seria o corte nominal nas pensões dos reformados (grupo cuja situação se vê particularmente agravada pela inexorável emergência da gigantesca fraude em que assenta um dos pilares do estado-previdência).
O Governo, claro, nunca o disse. Antes optou, exactamente como com Sócrates e antes com Ferreira Leite, por pôr em prática um continuum de medidas de "austeridade" (como não colocar aspas quando a despesa pública não cessa de aumentar?), tanto quanto possível em doses "homeopáticas", esperando por um milagre de uma "retoma" que subitamente surgisse do nada e que, assim, permitisse manter por mais algum tempo o que ainda restava. Puro engano.
Não havendo o vislumbre de um pensamento sobre qual deve ser o perímetro de actuação estatal (imperativamente muito mais reduzido face àquele hoje existente) por exemplo, quanto à possibilidade de uma parte substancial dos estabelecimentos escolares, em particular os técnico-profissionais, poderem sair da órbita da administração pública; continuando a arrastar-se, penosamente, um programa de privatizações onde
permanecem de fora vacas sagradas como a RTP (não, não é engano), a CGD e demais empresas sob o seu controle, a Parpública e respectiva carteira de participações onde se inclui um autódromo, as Administrações Portuárias, as diferentes unidades da CP etc.; continuando mínimo o esforço de desmantelamento do estado paralelo onde pululam "Autoridades" regulatórias que bem podiam ser fundidas depois de extintas as desnecessárias (todas?); circunscrevendo, na prática, a matéria do "corte" das "rendas excessivas" às PPP rodoviárias (matéria importante, sem dúvida, mas onde apenas se tenta evitar que o
acréscimo na despesa não seja tão gravoso quanto o que já estava contratado) e não tocando, em substância, nas referentes à energia (especialmente à eólica), estas sim muitíssimo relevantes para a competitividade das nossas empresas e para as parcas finanças das famílias, pouco mais resta ao Governo que o discurso do combate das "adiposidades" (de que as fundações são "o" exemplo), as mais das vezes veiculando um populismo reprovável mais próprio da retórica esquerdóide do tipo "os ricos que paguem a crise".
É de facto muito pouco o que o Governo tem para mostrar para além dos cortes dos salários e das pensões. Não admira pois, ao mesmo tempo que dizima a classe média e parece tudo fazer para desincentivar o aforro e afastar o capital, que esteja cada vez mais isolado, mesmo nos partidos que o suportam.
Não digo que seja fácil num país secularmente anti-liberal, sob o entorno jurídico-institucional em que vivemos, pontificado por uma Constituição verborreica, socialista e caduca, um PS exangue, e um cavaquismo que pretende continuar a ser o guardião do templo do Estado social e que, para evitar que ele desabe durante o seu consulado, vem apelando ao recurso às impressoras do BCE ao mesmo tempo que clama e reclama pela "equidade" (com o significado de pretender tratar igual aquilo que o não é).
Não será fácil mas é indispensável. E quanto mais tempo levarmos a perceber que assim é, mais se alongará o poço por onde estamos caindo.
Adiar, nada resolve e tudo agrava.